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30 anos da estreia do Skank e como o rock brasileiro se reinventou

Hoje em uma turnê longínqua de despedida – atrasada em dois anos pela pandemia – o álbum de estreia da banda mineira comemora três décadas de seu lançamento marcado pela irreverência e distanciamento do formato dos anos 80, abrindo caminho para um dos mais frutíferos momentos da música brasileira

Uma das bandas mais bem-sucedidas do rock nacional, a história do Skank se confunde com toneladas de hits quem marcaram sua trajetória até hoje, mas sua estreia, menos popular em sua discografia, pode ser até hoje considerada um divisor de águas para o gênero no país, assim como nomes como Paralamas do Sucesso ou Legião Urbana na década anterior.  Lançado de forma independente, o álbum Skank estabeleceu no rock nacional a capacidade de não ser só rock, uma tendência pouco explorada na década anterior. Disco que trouxe para o mainstream uma nova linguagem, conseguiu se conectar rapidamente e de forma profunda ao social, sendo consolidada no álbum seguinte, o colossal Calango.

Se existe uma forma de definir o álbum Skank, certamente é dizendo que foi o “disco certo, lançado na hora certa”, em 1992. Começando pela estética, o trabalho do quarteto de Minas Gerais em nada se parecia com rock, assim como também não fora o primeiro disco de ska/reggae lançado no país. Produzido de forma independente (e considerado o primeiro do gênero feito nesse formato), lembrava momentos de Paralamas do Sucesso, como no realizado no revolucionário Selvagem (1986), mas tinha uma identidade bem definida, buscando referências no dancehall e no ska dentro de ume embalagem pop, pronta para abraçar as rádios.

Na época o rock não era mais interessante para as gravadoras e vivia sua crise de identidade. Enquanto bandas dos anos 70 viviam uma fase menos inspirada no exterior, o grunge e o hard rock do Guns´N´Roses atingiam o auge da popularidade, exceto no Reino Unido, onde o britpop explodia. No Brasil vivíamos um período de desalento. A crise na economia ganhava uma nova proporção após a eleição de Fernado Collor de Melo e musicalmente tudo parecia instável e de pouca inspiração, como se a energia e a luta pela democracia tivesse se esvaído nos anos 80.

Referência em seus primeiros álbuns, os Titãs abraçavam o grunge com Tudo Ao Mesmo Tempo Agora para acompanhar essa onda, os Paralamas faziam o mesmo com a música latina, com Os Grãos, a Legião Urbana se tornava cada vez mais introspectiva com o lançamento de V, além do Capital Inicial, que se preparava para sua maior tormenta, após o lançamento do disco mais roqueiro da banda, Eletricidade.

Com a sensação de tudo definido, o Skank entrou em cena. Com 3 mil cópias de CDs na mão, pagas do próprio bolso, o grupo se voltou às rádios locais para tocar nos bares de Belo Horizonte. Sem grandes ambições, fazia um disco onde trazia boas composições de Samuel Rosa e que logo se espalharam, indo além da cidade e chamando a atenção de grandes gravadoras. Na bagagem, uma versão calanga de Bob Dylan em Tanto (I Want You), a profética In(Dig)Nação, feita para um projeto com o videoartista Eder Santos, um cover de Jorge Ben Jor, em Cadê o Pênalti?, e boas composições, como Homem Q Sabia Demais e Macaco Prego, tudo isso embalado por raízes jamaicanas e ritmos brasileiros.

Quando realmente aconteceu, após assinar com a Sony, o álbum de estreia do Skank ganhou um banho de loja no estúdio Nas Nuvens, sendo relançado em 1993 e assim explodir. De Minas para o resto do país, mostrou que o rock podia ser tudo, menos rock, e ainda assim engajar como vertente rebelde que pavimentou nos anos 60. O colapso social no governo logo ganharia uma trilha sonora, com In(Dig)Nação, que acabou se tornando hino de protestos pelos “caras pintadas” durante o processo de impeachment do até então presidente. Uma infeliz coincidência que colocou o Skank nos trilhos de toda uma geração que ansiava música nova.

Uma das coisas mais importantes do disco de estreia do Skank é que sua importância não se limita as 11 faixas que o compõem. Ponto importante na ruptura da sonoridade do rock nacional dos anos 80, o disco lançado pela banda mineira foi imprescindível para que muitas gravadoras captassem essa nova onda do rock nacional, que em questão de três ou quatro anos jogaria luz sobre nomes como Chico Science e sua Nação Zumbi, Planet Hemp e Raimundos. Bandas que reverenciavam os anos 80, mas apresentavam uma música 100% nova, envenenada por ritmos locais, revitalizando todo um gênero musical.

Um movimento interessante se deu exatamente nessa transição do reggae para o mainstream. Antes de descobrir o Skank, a Sony apostava suas fichas no Cidade Negra, que até aquele momento tinha dois discos lançados, Lute para Viver (1990) e Negro no Poder (1992), mas foi com Sobre Todas as Forças, em 1994, um ano depois do Skank, que a banda – agora com Toni Garrido nos vocais – estourou de vez e passou a fazer parte da programação de todas as rádios rock do país.

Desde então o Brasil viu vários “Skanks”. A banda de reggae, de rock alternativo, de pop e aquela que desejasse. Sem medo de apontar novas direções para sua música, segue até hoje como uma das mais importantes do país, enquanto escreve seu último capítulo nesse formato.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.