Sala Especial

A colcha de retalhos de Jack White

Atualmente em turnê com o supergrupo The Raconteurs, o gente boa Jack White segue mostrando que não existem amarras para sua música e investe sem medo em novos caminhos. Apostando em sua típica maestria, embarca no soul, no pós-punk e, claro, no blues, mas ainda passa longe da consolidação definitiva ao correr o risco de transformar sua carreira em emaranhado de influências.

Quando surgiu no mundo da música, na virada do século com o White Stripes, Jack White vestia uma camisa vermelha apertada e apostava em um som cru, duro e que ia na contramão do fenômeno Strokes, que naquele instante redefinia o rock executado nos anos seguintes como algo dançante e alegre. Quase duas décadas depois, o hoje multi-instrumentista americano é visto como o bastião da moralidade em um gênero que sucumbe pela carência de novos ícones enquanto ele próprio parece ainda definir sua personalidade. Tudo isso enquanto divide seu tempo entre Boarding House Reach, seu terceiro projeto solo, e supergrupos como o The Raconteurs, que vem ao Brasil para o Popload Festival, e o The Dead Weather.

De fato, acompanhar Jack White nos dias atuais é lidar com uma super estrela do rock. Headliner de inúmeros festivais a cada lançamento, também é dono de uma das gravadoras mais espetaculares dos últimos anos, a Third Man Records, além de um músico que no palco faz jus às grandes estrelas do gênero. Não a toa sua participação no documentário A todo Volume, ao lado de Jimmy Page e The Edge (U2), mostram que o jovem nascido em Detroit sabe muito bem onde está pisando, ou quase isso.

Quem deu de cara com Boarding House Reach em 2018 encontrou um disco incompreensível para quem acompanha a carreira de um artista que sempre se orgulhou de ter os dois pés atolados no blues, como visto em Blunderbuss (2012) e Lazaretto (2014). Terceiro de sua discografia solo, Boarding House Reach é um disco que nasce recheado de elementos que corroboram para a imagem de um artista cheio de excentricidades e que sempre teve obsessão pelo número 3. Daí então um terceiro álbum onde poderíamos esperar de tudo, inclusive nada.

Jack White e o número 3

  • Durante a turnê pelo Reino Unido com o White Stripes, Jack White se intitulava como Three Quid
  • Sua gravadora se chama Third Man Records
  • Embora não tenha ligação com seu nome, Jack White costuma assumir o título de Jack III White ou Jack White III

Musicalmente, o terceiro lançamento de Jack White ainda segue investindo no blues, mas vai muito além, ainda que isso pareça não ser exatamente natural. Separado por vertentes em uma espécie de suítes e dividido por alguns interlúdios, o disco tem funk, tem soul até hip hop (??), e claro, muito blues. Tem tudo e ao mesmo tempo nada. Como uma versão de Dr Jekyll and Mr Hyde, Jack White parece ter resolvido revelar novos traços de sua personalidade como se estivesse ferido, como se esse cada novo projeto soasse como uma prova de sua capacidade. Um caminho irresponsável pela linha que separa o genial do bestial, mesmo que tudo seja extremamente bem feito.

Diferente de artistas como Joe Bonamassa, que escancara suas mil faces em projetos diferentes como o Rock Candy Funk Party, voltado ao funk, ou o roqueiro Black Country Communion, Jack White escolheu um único álbum para se tornar capaz de fugir de todos rótulos possíveis, mas não sai do lugar.

Claro, ele pode. Dono da gravadora mais elogiada dos últimos anos e cercado de bons artistas ao seu lado como o espetacular baterista Daru Jones, o big boss da Third Man Records pode se dar ao gosto de correr um risco tão grande. Afinal, no palco tudo tende a funcionar, especialmente em jams que bem executadas devem empolgar até o mais conservador público. Mas se acredita estar diante de um zeitgeist de sua carreira a cada vez que faz isso, o ex-guitarrista do White Stripes pode ter começando a escrever seu obituário com a mesma classe que um vampiro recém-transformado se gaba a todos afirmando estar pronto para a eternidade, porém ainda inapto para encarar a irrelevância de outrora em poucos anos.

Agora com o grupo The Raconteurs, ao lado de Brendan Benson, Patrick Keeler e Jack Lawrence, Jack White novamente experimenta a condição de coadjuvante, ainda que os olhos do público estejam sempre focados na sua figura. Excêntrico, o guitarrista parece mais seguro nesse papel e o fruto disso pode ser conferido no mais recente álbum do grupo, Help Us Stranger, um disco bem mais maduro que outrora.

Ao dividir seu protagonismo, Jack White deixa de se agarrar com unhas e dentes ao passado em uma busca incansável por todas as suas influências, o que faz restar para si somente a tão selvagem forma com que leva ao palco riffs inspirados no século passado. É muito pouco para quem conseguiu ser considerado o ás de sua geração.

Embora saiba como poucos o tamanho de seu papel no rock atual, Jack White ainda tem uma estrada gigantesca pela frente, cabendo a si próprio não deixar que sua ambição em se tornar um gênio excêntrico do calibre de nomes como Prince o faça em breve ter que dar um passo atrás. Os tempos são outros e não seria difícil ver um dos grandes gênios do rock moderno se transformar em uma verdadeira colcha de retalhos. Cheio de qualidades, mas que não consegue mais atender o seu objetivo primordial no mundo da música, que é aquecer àqueles que buscam algo original e de qualidade enquanto ídolos da música encerram suas carreiras.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.