Imagine sua vida sendo contada através de seus fatos mais importantes, aqueles que mudaram de forma definitiva o rumo de sua existência durante os anos seguintes. Obviamente essa construção mental tão repentina não colocará cada um desses elementos na ordem correta, o que é normal e dá ainda mais brilho à obra de Paolo Carisi, italiano responsável pela biografia em quadrinhos de nada menos que John Coltrane.
Ausente de qualquer diálogo mais extenso e apresentada de forma visceral, a HQ COLTRANE sintetiza tudo que envolve a história do saxofonista responsável por clássicos como A Love Supreme, lançado em 1964. O primeiro contato com o instrumento, a ligação com Miles até se tornar bandleader e mergulhar de vez em um universo particular, além do vício em heroína e sua busca pela superação de limites… tudo é colocado sem cerimônias e até de forma desconexa, como um grande sonho onde um herói imperfeito vai sendo construído.
Resumo breve, daqueles que você consegue ler em menos de uma hora, COLTRANE é a porta de entrada para algo muito maior e complexo, tal qual o próprio jazz, onde quem se interessar terá a condição de unir pontos pelo qual a HQ vai explorando de forma sintetizada. Produzida em um clima quase noir, os traços duros de Parisi dão consistência a um diálogo que desperta em seu leitor a curiosidade em mergulhar sobre cada episódio narrado, alguns deles de no máximo 3 ou 4 páginas.
Mesmo sendo uma HQ baseada em um personagem que hoje é reverenciado aos quatro cantos, COLTRANE passa longe do otimismo e glamour pelo qual o jazz hoje convive com as classes mais altas. A opção do autor em explorar seu conteúdo apenas em preto e branco se torna fundamental para compreender o tamanho do sofrimento pelo qual o saxofonista e sua família passaram durante toda a vida. Dessa forma, cenas que envolvem racismo e violência soam duras o suficiente para isentar qualquer caminho escolhido por John durante a vida.
Suas paixões e frustrações, negócios e formações são a chave de uma HQ que devia ser obrigatório a todos que procuram uma ponta de iceberg para desbravar o – até hoje obscuro – universo do blues. Nem tão popular quanto Miles Davis e nem tão desconhecido como Bill Evans, a HQ COLTRANE, de Paolo Parisi, vale a pena e encurta um roteiro que pela capa já dá seu recado, mas que fica muito melhor quando desbravado página a página.