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De La Soul e os 30 anos de 3 Feet High and Rising

Completando três décadas de história, o álbum de estreia do rapper De La Soul, 3 Feet High and Rising, segue desafiando a lógica do hip hop em um momento onde o gênero hoje inspira e serve de base para o mais puro entretenimento.

Parece ilógico, surreal e até mesmo uma brincadeira de mau gosto. E talvez até o seja mesmo, já que imaginar a cena hip-hop no fim dos anos 80 bate de frente com o disco que é base dessa matéria, o impressionante (e divertido) 3 Feet High and Rising, álbum de estreia do rapper De La Soul, que completa três décadas nesse ano. 

Olhe para os grandes clássicos da época. O NWA havia lançado nada menos que Straight Outta Compton um ano antes e o Public Enemy o lendário It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back. Discos que tem em comum um o sentimento de revolta com injustiças, racismo, violência policial e tantos outros problemas que basta alguns minutos de Google pare entender a ascensão de artistas como 2Pac nos anos seguintes. Era o recado de que o hip hop vinha para ficar.

Esse era o background de 3 Feet High and Rising, disco que nasceu na contramão de praticamente tudo o que se imaginava para o hip hop. De vertente engajada, o gênero popularizado por Kool Herc em Nova Iorque agora mostrava sua veia para o entretenimento. Surgia com um outro olhar, ou como apelidariam posteriormente, uma espécie de “smart rap”, ainda que a definição pareça um tanto quanto arrogante.

De fato o De La Soul pouco parecia se associar ao gueto de NY. Criado em Amityville, Long Island, um espaço considerado de classe média e reduto de grandes casas e destino turístico, houve uma resistência inicial quanto ao valor do discurso realizado pelo rapper, especialmente por não abordar as questões tão em voga na época.

Produzido por Prince Paul, DJ e produtor também de Amityville, o disco de estreia do De La Soul é divertido do início ao fim. Principal faixa do disco e single definitivo da carreira do rapper, Me, Myself & I é uma letra de autoafirmação que brinca com o próprio estilo dos integrantes do grupo, algo inocente e condenado a se tornar obsoleto quando comparado, por exemplo, a Express Yourself, do NWA, mas não foi isso que aconteceu.

Existe algo nonsense no álbum de estreia de De La Soul. Não é exagero, estamos falando de algo nonsense de verdade, afinal, imagine a coragem (ou a real falta de noção) de alguém em lançar um álbum que surgia na contramão do gangsta rap, remava firme com letras de confronto. Já 3 Feet High and Rising estourava com faixas sobre relacionamentos, insegurança e estilo se sobrepõem ao discurso de Ghetto Thang, uma das únicas que acabam fugindo dessa tônica.

Longo, de pouco mais de uma hora, o disco é composto por pouco mais de 20 faixas, somados os interlúdios, e passeia por samples que vão de Johnny Cash, do qual inspirou o seu título, com Five Feet High and Rising, até artistas como Michael Jackson, Led Zeppelin e Steely Dan. Sobra até espaço para ícones da geração disco music como Ashford & Simpson. Uma amálgama pronta pra fazer o que o hip hop até então não parecia ter como mote, divertir. 

Na época já descrito como um disco revolucionário, 3 Feet High and Rising foi aclamado rapidamente por toda classe artística, que chegou a apelidar De La Soul como o “Beatles do Hip Hop” e seu álbum como o “Dark Side of the Moon”, além da grande mídia, o que acabou abafando o próprio antagonismo despertado dentro do Gangsta Rap. Esse nó seria desatado de vez no disco posterior de De La Soul, De La Soul Is Dead, de 1991.

Descrito posteriormente como um álbum de Hip hop skit, com interlúdios que pareciam dar ao disco um ar de stand up, 3 Feet High and Rising foi inspiração para uma verdadeira avalanche de discos nos anos posteriores. Um bom exemplo é o trabalho de rappers como DJ Jazzy Jeff & the Fresh Prince, são um bom exemplo. E sim, estamos falando de Will Smith, do seriado tão famoso no Brasil. E indo mais além, mais de vinte anos depois, até mesmo Eminem popularizaria isso em algumas faixas de sua carreira.

Dissecar 3 Feet High and Rising é uma experiência única para quem está atento aos movimentos da cultura pop. Tão única que tornaria esse texto longo e maçante por seu tamanho, mas é uma tarefa merece ser realizada em algum momento da vida. Buscar os samples do disco de estreia de De La Soul e ler cada uma de suas letras intriga. Intriga porque tinha tudo, absolutamente TUDO pra dar errado. E no fim das contas apenas ensinou um caminho que até o mais aclamado nome do Gangsta Rap americano é capaz de bater palmas.

Passados 30 anos isso hoje é comum. O hip hop está na música eletrônica, no rock e na música pop. Está até na música clássica. Serve de entretenimento da mesma forma que segue sendo um instrumento de mudança social que só ganhou força ao longo dos anos. E um passo decisivo disso foi justamente ter abraçado a cultura pop, da forma que De La Soul fez no fim dos anos 90.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.