Entrevista

Entrevista ALCEST

Formado na França na virada do século, o Alcest é seguramente um dos nomes mais interessantes dos últimos anos. Com uma sonoridade que bebe de elementos de black metal, post rock e até shoegaze, construiu uma carreira sólida composta por 5 álbuns, alguns deles considerados clássicos, sob a liderança do guitarrista e vocalista Stéphane Paut, conhecido pelo público como Neige.

Banda que é adorada pelo público brasileiro e tem se mantido em contato com o público em turnês realizadas pela ousada produtora Overload, o Alcest já trouxe ao país a execução na íntegra de seu mais elogiado álbum, Écailles de Lune, quando se apresentou no Overload Festival. Desde então uma turnê solo do grupo vinha sendo aguardada com tamanha expectativa que não surpreende a euforia do público para as apresentações que o grupo francês realizará nos próximos dias em solo brasileiro.

Antes disso o Passagem de Som conversou com Neige sobre o novo álbum do grupo, o aclamado Kodama, os caminhos do Alcest e diversos outros assuntos em uma belíssima entrevista.

O primeiro show em SP como banda solo
Neige: Nós já realizamos um show uma vez no Rio de Janeiro solo e em São Paulo tocamos no Overload Festival com outras grandes bandas. Eu tenho a sensação que sendo um show solo as pessoas estarão mais empolgadas que o normal. No festival foi uma experiência ótima, mas agora acredito que será ainda melhor. Estamos felizes de voltar ao Brasil e prometemos realizar um show muito especial para o público brasileiro.

Durante essa turnê estamos tendo com uma ótima resposta do público em relação às faixas do álbum Kodama e vamos tocar a íntegra desse disco para os brasileiros, além de algumas outras faixas que se tornaram emblemáticas para os fãs.

Kodama
Neige: Acredito realmente que Kodama seja o álbum mais denso de nossa carreira porque nos discos anteriores nós trabalhávamos com canções acústicas, diferente do que foi realizado em nosso último álbum, já que o mesmo é construído a partir de elementos mais pesadas. Nesse álbum nós escolhemos algumas músicas que atingem seu auge ao longo da execução, mas ainda assim não são tão pesadas e fazem uso de linhas mais melódicas.

Acredito que isso se torne uma tendência para os próximos álbuns do Alcest até pela forma como já venho trabalhando em novas composições, seguindo essa linha mais pesada como se fosse uma continuação de Kodama.

Estou trabalhando em dois álbuns atualmente e algumas dessas peças soam para mim como algo muito emotivo, lembrando bastante o primeiro álbum do Alcest, algo meio nostálgico eu diria…. mas a sequência com certeza seguirá explorando o caminho encontrado em Kodama. Explorando o peso em alguns momentos e trabalhando também com linhas mais suaves. Mas por fim, o que posso dizer é que não tenho nada finalizado até o momento, apenas estou trazendo novas ideias para ver o que será produzido futuramente.

O público do Alcest
Neige: Eu diria que o público do Alcest é um público mais eclético, mas temos que levar em conta que pessoas hoje têm muito mais acesso à música. O que fazemos tem uma identidade muito heavy metal, mas por suas linhas tão melódicas elas se tornam bastante acessíveis e acredito que pessoas de diferentes gostos musicais podem apreciar o que fazemos. Temos fãs que gostam de metal extremo e até de música pop, indie rock… são adultos, crianças, velhos… todo mundo. Quando estamos tocando ao vivo nos enche de orgulho ver que diante da banda está um público bem misturado, com faixas etárias e gostos diferentes.

A música contemporânea e a relação com o público moderno
Neige: Eu ainda não sou uma pessoa muito velha, mas me considero um cara bastante old school no que se refere à música. Não sei se isso é bom ou ruim, mas ainda sou muito ligado às composições e melodias de um disco. Acredito que existam muitas bandas e artistas que não são tão ligados a isso, que estejam dispostos a construir suas próprias músicas com todos esses elementos; são artistas que estão suscetíveis à influência da música pop ou das grandes gravadoras. Isso acaba fazendo com que a música se torne meio caótica e eu não tenho o menor interesse nisso (risos).

Sei que as grande parte das pessoas hoje provavelmente ouvirá nosso disco por uma plataforma digital como o Spotify e não sei se quem encontrar ali por acaso vai gostar da nossa música, mas como em nossos shows encontramos muita gente muito nova, ficamos felizes com isso.

Sabemos que existem pessoas que estão procurando por uma sonoridade mais old school, com guitarras, baixo e vocais reais, mas independente disso o que sei é que não vou mudar meu jeito de trabalhar por causa da tecnologia, que é o que acontece especialmente com a música eletrônica. Até por isso algumas pessoas acabam perdendo um pouco do interesse por certos tipos de música e artistas.

A música e o público vivem ciclos durante sua vida e é natural estarmos em uma fase de transição. Não me entendam mal, eu realmente gosto de alguns trabalhos com elementos eletrônicos ou que fazem uso de alguma tecnologia específica, mas eu acho que existe algo nesse caminho todo que se perde, por isso preciso de muito cuidado ao dizer isso porque há muita coisa boa sendo produzida.

Os atentados de Paris e como tragédias mexem com a música
Neige: As questões sociais estão presentes nas próprias letras do Alcest e eu falo muito sobre isso no meu trabalho. Dessa forma, claro que tudo o que está acontecendo ao me redor vai afetar as coisas que eu faço. Por exemplo, eu vivo em Paris e eu me senti muito atingido pelos atentados terroristas em 2015, aquilo aconteceu muito próximo de onde eu moro, eram apenas dois minutos andando até o lugar. Agora acredito que as coisas estejam voltando ao normal, mas as pessoas ficaram chocadas porque isso passou a ser algo muito próximo delas.

Estamos vivendo tempos sombrios. Tem muitas coisas acontecendo nos últimos meses e as pessoas de todo o mundo, até mesmo os americanos, vivem uma tensão com tudo o que é realizado após a eleição de Donald Trump. Tudo se tornou mais complicado. Claro que tudo isso vai influenciar o mundo da música, até conosco, mesmo de forma indireta.

O que tem me deixado realmente consternado nos últimos tempos é perceber cada vez mais a falta de espiritualidade das pessoas que vivem em países ocidentais. Eu me considero uma pessoa muito espiritualizada e acredito em algumas coisas, mas as pessoas estão perdendo totalmente as suas crenças. Estão acreditando apenas nas mídias sociais e no que falam para elas. Elas acreditam em fatores externos e ignoram sua própria personalidade, se tornando extremamente egocêntricas.

Infelizmente nós percebemos que as pessoas estão com tanto medo de tudo e até de acreditar nas coisas erradas que estão vendo suas vidas perderem o sentido justamente por não acreditar em nada. E a música é algo que pode inspirar as pessoas com algo verdadeiro. O jeito que você escreve, que você compõe e como isso atinge as pessoas pode mostrar que elas estão conectadas com algo maior e isso pode fazer do mundo um lugar melhor.

O fim dos grandes canais de comunicação e seu impacto na música
Neige: Tanto na música como em qualquer outro tipo de manifestação artística tudo foi mudando, mas no fim das contas o interesse sempre será a transformação de conteúdo em clicks e views em diversas plataformas. Grande parte dos veículos de mídia em que aparecemos normalmente são canais que não agem nesse sentido, então percebo que hoje exista uma falta de conexão entre a mídia e o artista.

Acho incrível que existam pessoas que não tenham como foco somente o dinheiro, assim como o fato de que você muitas vezes você tenha o sentimento de estar realizando um trabalho fantástico e ter a consciência de que isso não vai se converter em dinheiro. Nos anos 90 bandas como o Nirvana monopolizavam completamente a mídia, mas hoje mal se fala sobre rock para o grande público. O underground deixou de ser interessante.

Outra coisa que acontece é que é difícil até você encontrar novas bandas porque você percebe uma mídia focada principalmente em cantoras. É o caso de Adele, por exemplo, que você percebe a mídia falando muito mais sobre a vida pessoal dela e não sobre sua música.

A música de hoje e de ontem
Neige: Não sei se hoje o público tem um interesse tão grande por bandas mais técnicas ou complexas como era com o rock progressivo nos anos 70. O que posso dizer é que eu não gosto desse tipo de música pop que é feita hoje. Acho que o grande paradoxo da música é o fato de bandas de rock progressivas antigas terem se tornado tão populares naquela época e hoje não existir nenhum interesse em tentar fazer de ótimas bandas atuais algo popular. A mídia não tem mais interesse nisso.

Existem muitas bandas em atividade e todo mundo está fazendo música e gravando álbuns, hoje isso é algo fácil de se fazer, mas com muitas opções também se torna cada vez mais difícil aparecer no mundo da música. Não quero ser um cara pessimista, mas eu não gostaria de começar uma banda hoje em dia (risos).

Futuro
Neige: Vamos continuar trabalhando em nosso próximo álbum e nos dedicar a fazer isso da melhor forma porque será o sexto álbum do Alcest.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.