Entrevista

Entrevista CLUBE DO BALANÇO

Um verdadeiro embaixador do samba-rock. Não há outra forma de descrever a importância e o tamanho da história construída pelo Clube do Balanço, que celebra no próximo ano duas décadas de muita ginga e autenticidade.

Dono de uma história incomum, o Clube do Balanço nasceu para uma festa. Nenhum dos músicos envolvidos sabia bem no que ia dar, mas aceitaram a divertida empreitada, que duas décadas depois parece não ter fim. De repente a admiração pelo grupo na periferia de São Paulo se transformou em parceria e ao longo dessa história nomes como  Bebeto, Paula Lima, Luís Vagner, Marku Ribas, Max de Castro, Wilson Simoninha e outros tantos dividiram palco e estúdio com a banda, que segue firme e forte celebrando essa vertente tão peculiar.

Bebendo do funk, do soul e, principalmente, do samba, o Clube do Balanço recentemente chamou a atenção pelo videoclipe de “Dolores Gabriela, uma Homenagem ao Futebol de Várzea”, que faz parte do disco Menina da Janela. Com direção de Josi Zacarelli e Rafael Botas, o vídeo, gravado no início do ano, foi ambientado no campo do Cruz da Esperança – um dos mais antigos campos de várzea remanescentes da região da Casa Verde, zona norte de São Paulo – e conta a história de Dolores Gabriela, filha de um jogador de futebol que larga a carreira profissional no esporte para ser pai.

Aproveitando a oportunidade, o Passagem de Som conversou com Marco Mattoli sobre o projeto, o atual momento do samba-rock e muitos outros assuntos em uma entrevista de encher os olhos, literalmente. Confira abaixo!

O respaldo dentro da cena de samba-rock nacional
Marco Mattoli: Foi algo inesperado! Começamos há 18 anos em uma domingueira de samba-rock que era absolutamente desconhecida fora do circuito de música negra da periferia. Acontecia em um restaurante chamado Grazie a Dio (que depois do barulho que o Clube gerou sem transformou em uma das principais casas de música alternativa da Vila Madalena, em São Paulo). Éramos apenas um grupo de músicos amigos,que conheciam e curtiam samba rock. A ideia era tocar ao vivo clássicos de pista que ouvíamos nos bailes. Adorávamos a sonoridade e tentamos desde o inicio tentar reproduzir aqueles arranjos mais antigos, cheios de bossa.

Quando nos demos por conta, a casa começou a lotar. Desde pessoas que haviam frequentado os grandes bailes da década de 70/80, que ficavam muito a vontade de frequentar aquela casa que tinha um perfil mais de elite… (isto foi do início da era Lula, quando tínhamos um início de empoderamento econômico da população negra), assim como os filhos dessas pessoas, que também conheciam o samba-rock. Esse pessoal delirava ao ver clássicos musicais do baile serem tocados ao vivo. Havia também um pessoal mais alternativo, que não fazia ideia o que era samba-rock, que nunca havia cruzado a ponte, nunca havia ido a um baile e que se encantava e se identificava com aquela música ultra brasileira, aquele samba que não tinha nada a ver com o pagode romântico estourado nas rádios… Foi nesse momento que entendemos que havíamos, meio sem querer, tocado num ponto ultra sensível e querido da cultura periférica de São Paulo.

Recebemos um convite pra gravar pela gravadora Regata e fizemos questão de fazer um álbum que resgatasse toda a velha guarda que havia produzido esta música, (Luis Vagner, Bebeto, Marku Ribas, Erasmo Carlos…) e também uma nova geração que havia sacado junto da gente que este som era um caminho a ser explorado (Max de Castro, Simoninha, Seu Jorge…). O resultado foi o álbum Swing e samba-rock, considerado o clássico do ressurgimento do gênero. Nos sentimos felizes demais com o carinho que o pessoal tem pelo nosso trabalho e respeitamos demais esta cultura!

O videoclipe de Dolores Gabriela, uma Homenagem ao Futebol de Várzea.
Marco Mattoli: Vídeo nunca é fácil (risos). Qualquer ideia, qualquer coisa depende de muita gente e de muito recurso pra acontecer.

Quando o Rafael Botas e a Josi Zacarelli nos procuraram para fazer um videoclipe, eu já tinha essa vontade, de fazer um clipe desta música que fala da várzea neste espaço onde fazemos um projeto cultural mensalmente, o clube de Futebol de Várzea Cruz da Esperança.

Além do Futebol de várzea, que é algo em extinção, lá é um quilombo cultural onde desde a década de 50 a comunidade negra do bairro da Casa Verde faz bailes, rodas de samba, blocos… lá é ponto de encontro de vários velhas guardas das escolas de samba de São Paulo.. é um lugar muito forte…

Queria mostrar isso tudo no clipe e a Josi e o Rafa enlouqueceram com a ideia, fizeram um esforço além do possível pra coisa sair do jeito que eles queriam. Achei o resultado incrível.

Além disso, eles ficaram animados de fazer um mini-documentário para contar as diversas histórias que giram em volta do videoclipe. O futebol de várzea, a tentativa da prefeitura privatizar aquele parque popular, a cultura do baile e do samba que acontece naquele barracão, da dança do samba-rock e do projeto que o clube tem feito ali junto com o samba-rock na veia.

A responsabilidade social do Samba Rock
Marco Mattoli: Nestes anos percebemos que o que a gente move é bem além do que uma banda que tem admiradores e tal… é maior do que a gente.

Samba-rock virou uma forma resistência, um jeito de muita gente dizer “São Paulo tem cultura negra própria e é importante, é válida”. Um jeito de dizer que música bem feita e de alto nível serve sim para animar o baile. Que música pra dançar pode ser pra família toda. Que tudo bem ter 3, 4 gerações num baile, isso é lindo. Que samba-rock é patrimônio de São Paulo! Aliás, que foi registrado em 2016 pelo município, depois de um movimento que mobilizou um monte de gente.

Para nós, manter uma banda funcionando com 9 pessoas no palco é algo utópico e maluco, especialmente nos dias de hoje, do jeito que o circuito de música popular alternativa está deteriorado… Se for parar pra pensar… é muito inviável. o Clube é inviável! Mas apesar disso estamos aí, unidos, criando e produzindo.

O livro sobre o movimento Black Rio e o samba-rock como cultura marginalizada
Marco Mattoli: Muito bom o livro sobre o movimento Black Rio! Eu me arriscaria a dizer que hoje qualquer música que não seja o produto ultra popular, que é a única coisa que toca em 99,9% da programação das rádios e TVs do Brasil, vive numa situação de guerrilha, de luta extrema para sobreviver.

É um gargalo perverso onde 40, no máximo 50 músicas por mês são exaustivamente tocadas em rádios e TVs; 50 músicas não representam nem um centésimo da riquíssima produção musical do Brasil. É uma visão estreita e burra. Só toca quem paga. Este jabá institucionalizado está matando há décadas a produção musical do Brasil! A rádio e televisão são concessões públicas e deveriam seguir algum tipo de regra básica, que ajudasse a difundir minimamente este tesouro nacional que é nossa música. Tem muita música boa sendo feita, mas são pouquíssimos os caminhos para isso vir a tona.

A política do estado para indústria cultural, no nosso caso a música, é perversa e mal pensada. Apesar da cultura gerar cerca de 4% do PIB do Brasil, se investe menos de 1% do PIB na cultura. Cultura dá dinheiro para o país, além de ser fundamental para a construção de um povo.

Um projeto de um país onde se pensa que cultura é algo que não serve pra nada, que serve apenas para alguns “artistas fazerem coisas malucas” com o dinheiro do contribuinte, é uma ideia rasa, preconceituosa e sem visão. Por isso respondo, sim, samba-rock é marginalizado, assim como quase toda música feita no Brasil atualmente.

O samba corre o risco de se tornar “música para turista”?
Marco Mattoli: Discordo totalmente. Música pra turista não é mais samba. Aliás, é dificílimo para o turista ter acesso a samba e música brasileira que não seja o grande produto da mídia (outra cegueira do projeto cultural atual do Brasil). Vejo muitos artistas fazendo coisas interessantíssimas em diversos gêneros da música brasileira. O problema não é a produção, é a distribuição deste bem cultural.

O samba e seu engajamento social
Marco Mattoli: Tocar numa banda como o Clube do Balanço já é uma atitude de resistência cultural. Fazer uma música bem feita atualmente é ser muito subversivo.

O acesso das novas gerações à música
Marco Mattoli: Não há o menor acesso à música na escola e a grande mídia, que é a única fonte de cultura que a maioria da população acessa e uma janela minúscula onde grande parte da produção cultural (e de maior qualidade) do Brasil, não é mostrada. Isso gera um círculo vicioso… gerações cada vez mais ignorantes do grande tesouro musical brasileiro.

Iniciativas de ensino de música (como a do Auditório Ibirapuera) são fundamentais e sempre extremamente positivas. É preciso quebrar este círculo vicioso. Com melhoras na educação, insistindo na diversidade e na qualidade da música.

A relação do Clube do Balanço com os grandes canais de comunicação
Marco Mattoli: Não somos alheios a eles. Apenas não temos o acesso fácil, apesar de sermos lindos (risos), também não fazemos uma música que se encaixa nos padrões comerciais de 99% das rádios do Brasil. Estes padrões são restritos e pouco criativos…

As poucas vezes que conseguimos aparecer na televisão ou tocar com alguma frequência na rádio foram fundamentais e impulsionaram demais nossa carreira e nossa música. É maravilhoso! Adoramos aparecer e tocar na rádio.

Tirar o direito de grande parte dos artistas brasileiros de aparecer e tocar nas rádios e na televisão é um jeito perverso de acabar com a riqueza e a diversidade de nossa produção musical. Este é um elo fundamental numa indústria cultural saudável. Mas a gente se vira, busca outras alternativas para divulgar nossa musica, procura tocar muito e estar sempre próximo do nosso público.

Futuro
Marco Mattoli: Vamos lançar um EP com 5 músicas autorais e inéditas muito em breve. E continuar tocando, que é que nos deixa mais felizes!

About the author

Avatar

Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.