Entrevista

Entrevista HAMMERHEAD BLUES

Existe algo acontecendo no Brasil e não é de hoje. Repleto de distorções, o stoner rock verde e amarelo vive atualmente sua melhor safra e parece ter finalmente resgatado elementos da década de 70 sem precisar emular o passado para fingir ser o som do futuro.

Banda que vem se destacando na cena alternativa, o Hammerhead Blues é mais uma daquelas grandes surpresas que essa cena “anti-radiofônica” vem proporcionando àqueles que buscam uma música de qualidade que foge da fórmula engessada do pop contemporâneo. Formada por Luiz Felipe Cardim (guitarra), Otavio Cintra (voz e baixo) e Willian Paiva (bateria), o grupo paulista lançou nesse ano o ótimo Caravan of Light, disco que chega ao público com maturidade suficiente para ser o passo mais importante da banda em seus três anos de história.

Com referências que passam por nomes como Budgie e Blue Cheer, o Hammerhead Blues capta em sua música a essência dessas bandas sem emular o que foi feito no passado. Esbanjando vitalidade, apresenta nove faixas bem trabalhadas e repletas de solos, além de um belíssimo trabalho vocal realizado por Otávio Cintra, que ao lado de William Paiva faz cama para o guitarrista Luiz Felipe Cardim em faixas bastante expressivas.

O Passagem de Som conversou com Otávio sobre o novo álbum do grupo e tudo que cerca esse momento tão especial na carreira da banda.

A produção de Caravan of Light
Otávio Cintra: as primeiras músicas do Caravan of Light começaram a surgir nos meses que se seguiram ao lançamento do EP e em pouco tempo grande parte do material já integrava nosso repertório ao vivo. Com toda a lapidação dos palcos, gravar foi um processo que fluiu muito bem e pudemos mergulhar profundamente na performance e na exploração das sonoridades que buscávamos. Trabalhando com o Nobru Bueno e no Studio Pub tivemos toda a liberdade para criar, e mesmo tendo sido um trabalho muito árduo de internação em estúdio, virando madrugadas gravando e mixando, foi revigorante e prazeroso demais.

A arte de Caravan of Light
Otávio Cintra: Procuramos pela capa pontuar visualmente alguns dos aspectos da nossa performance e do nosso som de forma dramática e inusitada, explorando uma temática diferente do que as bandas de rock normalmente têm utilizado. Acredito que hoje vivemos um momento extremamente visual – entre as milhares de opções nas plataformas digitais destacam-se aquelas que capturam nossa atenção no flash do descer de uma tela em um celular. O material físico continua sendo bem aceito pelo público (embora em pequena escala) exatamente, creio, por ser uma maneira de valorizar o lado plástico, estético que acompanha o artista.

A cena stoner rock nacional na atualidade
Otávio Cintra: A sonoridade da galera em atividade é algo que não se via no país há muitas décadas. As referências são envenenadas, tortas, psicodélicas, brasileiras e pesadas, como foram na década de 70 as bases do rock psicodélico nacional clássico d’O Terço, a Casa das Máquinas, Som Nosso de Cada Dia e outros. Esse resgate, não só desses últimos caras, mas das pessoas que os influenciaram trouxe a injeção de novidade numa cena que vinha estagnada e que hoje é populada por artistas que, na minha opinião, estão entre alguns dos melhores músicos e mais criativos compositores do país.

A questão da língua, acho, não é determinante à produção, mas um dos aspectos diversificadores dessa cena tão ampla. Bandas como Muñoz e nós da Hammerhead Blues procuramos a língua inglesa para nos expressar enquanto algumas, como Necro, buscam hoje em dia explorar a língua portuguesa. Essa variedade de ideias, concepções e sonoridades entre a língua portuguesa, a inglesa e o som instrumental de caras como Psilocibina e Augustine Azul engrandece e enriquece demais a arte nacional.

Uma única cena,  um novo movimento
Otávio Cintra: Acredito que essa integração entre as bandas de todo o país seja uma das coisas mais importantes do momento em que vivemos. Creio que não seja o fim das cenas pontuais, mas a consolidação de uma grande cena nacional –  com bandas amigas, parceiras e dispostas a ajudar umas as outras enquanto possibilita que os públicos se interliguem, se misturem. Isso gera fenômenos como a última edição do festival Aldeia da Serra – que contou com bandas do Norte ao Sul do país fazendo som para um público carioca que os conhecia, cantava junto. Coisas como essa têm se repetido com frequência.
É justamente essa integração nacional do rock que tem possibilitado com que as bandas caiam na estrada e expandam seus públicos de uma maneira não antes comum no underground. É impossível não citar o pessoal da Abraxas falando sobre isso – os caras foram responsáveis diretos por conectar o pessoal do Brasil e criar a rede pra que pudéssemos explorar o cenário.

O Stoner Rock no mainstream
Otávio Cintra: Esse é um dos momentos de maior visibilidade ao stoner e ao rock chapado que já vivi e essa infiltração no mainstream é algo que vemos como muito benéfico ao espalhar da criação do rock. Acredito que seja pelas beiradas o caminho. Os grandes colossos internacionais do mainstream já estão próximos do seu fim, mas o público não vai desaparecer com eles e o rock continua sendo uma expressão jovem que continua se renovando. Com a presença de bandas de stoner rock em grandes festivais, a perseverança em tocar e crescer mostra que o resultado tem sido grandioso e grandes oportunidades têm surgido para muitos artistas. Não duvido que bandas que hoje habitam o underground e a cena chapada um dia sejam das grandes bandas a ocupar o espaço dos que hoje são unanimidades na música mundial.

Underground
Otávio Cintra: Por mais que o underground tenha se tornado forte e seja mais vivo do que a mídia mainstream, o alcance e a visibilidade que a grande mídia proporciona é muito benéfica a uma banda. Enquanto as publicações independentes são mais sensíveis à arte do que os grandes meios, estes últimos contam com muito dinheiro, muita visibilidade porém pouca ou nenhuma vontade de incentivar o que se cria no país – afinal, sabe-se bem que a mídia do Brasil pertence aos poderosos e aos poderosos nada assusta mais do que o novo.

A importância do calendário nacional para as bandas brasileiras
Otávio Cintra: As passagens das grandes bandas de fora têm sido muito importantes para os artistas da cena. A proposta da Abraxas, que organiza a vasta maioria dessas turnês, é de mostrar ao público já consolidado desses conjuntos internacionais que grandes bandas estão no seu país, no seu estado, na sua cidade. Tem sido um fator importante para o reconhecimento que as bandas nacionais têm encontrado com o público.

A influência da política sobre as manifestações artísticas
Otávio Cintra: Inevitavelmente os tempos sombrios mexem com quem explora a criatividade e a sensibilidade. Essa crise politica toda no país, o golpe, somada com a indignação gerada pelo cheiro do fascismo vindo do ralo e se aproximando rápido já mudou o comportamento dos artistas à nossa volta e cada vez mais vejo as pessoas mais compromissadas com suas mensagens e suas transgressões.

Daqui pra frente
Otávio Cintra: Nos próximos meses cairemos na estrada para continuar a divulgação do novo álbum e tentar levar nosso som pra tudo quanto é canto do Brasil e do continente. Temos em mente explorar estados que ainda não conhecemos então tem muita coisa nova por vir.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.