Entrevista

Entrevista HURTMOLD

Música fácil para gente difícil ou música difícil para gente que espera música fácil? Ao longo de mais de uma década definir o grupo paulista Hurtmold nunca foi das tarefas mais fáceis.

A fusão entre universos díspares como o punk e o jazz por Fernando e Mário Cappi (guitarra), Guilherme Granado (teclado, vibrafone e voz), Marcos Gerez (baixo), Maurício Takara (bateria e trompete) e Rogério Martins (percussão e clarone) sempre foi única na música brasileira. E justamente por isso o grupo é tão respeitado por fãs e músicos por todos os lados.

Recentemente o Hurtmold vem excursionando celebrando o relançamento de seu terceiro álbum, Cozido, que chegou ao toca-discos e é o terceiro projeto da banda levado para o vinil. Algo tão digno e importante quanto a história do grupo, que se apresenta no próximo dia 22 de julho no Auditório Ibirapuera:

HURTMOLD em show de lançamento da edição em vinil do álbum COZIDO
22 JUL 2017 | SÁBADO – 21H
Auditório Ibirapuera – Oscar Niemeyer
Av. Pedro Álvares Cabral, s/n – Portão 2 do Parque do Ibirapuera
(Entrada para carros pelo Portão 3)

Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)
Duração aproximada: 75 minutos
Livre para todos os públicos |Informações: www.auditorioibirapuera.com.br

E antes dessa apresentação tão especial o Passagem de Som conversou com Mário Cappi sobre diversos assuntos, entre eles os caminhos que a banda escreveu até Cozido chegar ao vinil, as parcerias e muito mais.

O relançamento do álbum Cozido em vinil
Mário Cappi: O Cozido é nosso terceiro lançamento em vinil. O primeiro foi Mils Crianças, seguido do Mestro que foi nossa primeira reedição. Acho que o vinil, por ser um formato em maiores dimensões, oferece uma representação melhor e mais fiel pra som e imagens, dois elementos dos quais fazemos questão de ter maior qualidade. Muito disso na era digital virou um detalhe, as artes disponíveis em plataformas virtuais estão em baixa resolução para ocuparem pouco espaço e acabam perdendo um pouco o sentido, embora existam artistas que consigam ter soluções interessantes para a arte (em caso de downloads) em formatos cada vez mais modernos e pequenos. No nosso caso, como queríamos o disco material, decidimos pelo vinil para atender melhor nossas expectativas.

A concentração do ouvinte ao ouvir um LP
Mário Cappi: Acredito que sim, há uma concentração maior pois cada disco apresenta uma sequência, uma história em progressão. Os formatos digitais ajudam quando você pensa em economia de espaço, mas há também a perda de qualidade. A distração extrema a qual estamos nos acostumando cada vez mais, devido à dinâmica e velocidade de informações da nossa era, estão se aplicando a tudo, também para a maneira como a música é consumida.

Começa com um declínio de qualidade no áudio, que passa para a arte, chegando por fim ao desinteresse pelo todo que é o disco, ou seja, a história contada. O excesso de dados leva muitas vezes à perda de foco, sendo assim algo visto como positivo podendo se tornar contra-produtivo quando se trata da audição musical. O vinil retoma a cultura de ir até um aparelho, ligá-lo, colocar o disco, troca-lo de lado para ouvi–lo completamente… seguindo esse ritual, você terá ao fim da audição respeitado uma sequência importante pra saber a história completa.

A possibilidade de se fazer lançamentos em vinil na atualidade
Mário Cappi: Quando lançamos nossos primeiros discos o vinil era já algo mais raro, as gravadoras e selos não se interessavam pelo formato, principalmente aqui onde o mercado era menor.

Houve uma nova onda de vinil de uns anos pra cá, uma nova procura pelo formato. Isso veio de fora e acabou chegando aqui também, o que possibilitou selos independentes incluir os vinis em seus catálogos. Vejo isso com bons olhos porque gosto do formato. A parceria no caso é fundamental, pois mesmo com esse retorno do interesse ao vinil sua produção ainda é cara.

O social e sua influência na música do Hurtmold
Mário Cappi: A música que fazemos reflete muito o que sentimos e pensamos. Mesmo sendo basicamente instrumental, as vozes de cada instrumento se fazem presentes, e isso nos proporciona satisfação.

Quando o Hurtmold se encontra para ensaios, shows e viagens acabamos sempre discutindo o atual e lastimável momento sociopolítico que assola o Brasil atualmente. Creio que isso acaba influenciando mesmo que indiretamente nosso processo artístico. Não estamos compondo nada com letras, então essa relação com o diálogo político fica menos óbvia, mas seria impossível ela não estar ali.

Vivemos num presente delicado, as notícias que chegam sobre o que está acontecendo, esse golpe que não tem fim nos afeta em tudo, não é diferente na hora de compor.

O legado do Hurtmold e o respeito conquistado

Mário Cappi: Eu acho que tenho sorte de tocar com pessoas que admiro musicalmente, artisticamente e como gente. O Hurtmold tocou com vários artistas daqui e de fora que admiramos e muitos desses artistas se tornaram amigos por termos mais do que a música em comum.

Creio que as influências claras para alguns não são tão claras para outros. Citam o Tortoise, que eu considero uma banda muito boa, mas na época dos nosso primeiro disco, quando colocaram eles como uma referência nossa, eu não os ouvia. No começo toda ou quase toda banda tem dificuldade em ter uma identidade completa, algumas nunca chegam a ter e outras simplesmente não querem ter. É comum também projetarmos a nossa bagagem de referências no que chega aos nossos olhos e ouvidos, fazendo com que uma banda ou um filme, um quadro ou uma performance sejam automaticamente rotulados.

Um universo fora do mainstream
Mário Cappi: Muitos festivais de selos independentes têm rolado e acho isso importante desde que aconteça com transparência e seja levada em consideração a música em primeiro plano. Que os artistas envolvidos tenham liberdade e estejam ali fazendo o que acreditam.

Nós sempre tocamos em festivais com grande diversidade artística e musical, mas acho normal quando o evento é mais direcionado a um publico especifico. Acho que não precisa ser multicultural e ter várias estéticas e viagens o tempo todo. Mas dito isso, tudo depende da vontade de querer fazer. A gente, nosso selo, as bandas que vêm de lugares parecidos, centros culturais, casas de amigos que cedem a sala pra shows, bares que acreditam que esse tipo de arte deve sobreviver, vem da escola do “fazer você mesmo”. Isso te ensina a correr atrás do que acha certo e ir até o fim. Daí se forma uma cena e essa cena existe porque essas pessoas não desistiram. O conceito é simples, a prática nem tanto. Mas vale a pena quando tudo foi feito e aquilo é seu.

A identidade do Hurtmold e o acesso à música
Mário Cappi: O Hurtmold já participou de alguns festivais de jazz sim, mas temos um vínculo muito mais forte com o rock e o punk, pois é de onde viemos. Existe uma falsa sensação algumas vezes de que tudo está acessível e disponível, mas o mercado continua sendo o mercado deixando ainda muitos caminhos restritos não só para o jazz ou o blues. Eventos artísticos gigantes em estádios de futebol tocam música pop e rock e têm valores de ingressos bem altos. A sensação de exclusividade fala mais alto que o gênero musical seja qual for.

O legado e o conceito de sucesso
Mário Cappi: Acho que o sucesso pra gente significa poder fazer o que quisermos, total liberdade artística, sem estarmos presos ao mercado ou a uma arte datada e gêneros que nos criem armadilhas.

Futuro
Mário Cappi: O futuro é seguir buscando caminhos que nos tragam evolução e prazer com o que fazemos.

Termos um lugar pra ensaiar, marcar shows, fazer bons shows, gravar nossos discos… Nada diferente do que tem sido, apenas continuar.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.