Entrevista

Entrevista LO-FI

Mais de uma década separam o trio de seu primeiro lançamento. Desde então a didática é simples. Compor, gravar e tocar é o mantra do power-trio Lo-Fi, uma daquelas bandas que atravessaram dez anos com a mesma intensidade visando lançar material e cair na estrada. E o momento não podia ser mais especial, a caminho daquele que será o 12º registro da banda, a banda formada pelo guitarrista Thiago, o baixista e vocalista Rogério e o baterista Marcelo hoje vai com facilidade do punk ao rock garage e faz experimentos com a psicodelia do progressivo, surf music e blues. 

Em uma década de existência a banda Lo-Fi deixou muito claro uma evolução musical em todos os seus 11 lançamentos. O que no primeiro disco parecia ser uma simples banda de punk com limites declarados, hoje demonstra maturidade, escancara diversas influências de rock e música americana. Isso pode ser comprovado nas novas faixas do grupo, que entrarão em seu novo lançamento, ainda sem nome.

O Passagem de Som conversou com a banda sobre esse momento da carreira e o que podemos esperar do novo trabalho do grupo.

A produção das novas faixas
Thiago: São músicas que realmente fizemos sem respeitar nenhum rótulo que já tivemos no passado. Não pagamos nenhuma mensalidade. Simplesmente fizemos as músicas e elas levam muitas influências, muita coisa que ouvimos. Em princípio a proposta era gravar com somente com 4 canais e os microfones que tínhamos. Realmente fizemos isso em umas 2 músicas do álbum, antes do Marcelo viajar pro exterior e comprar mais equipamentos, o que permitiu a gente microfonar tudo e fazer o álbum gravando ao vivo, todos juntos.

Marcelo: Gravar um disco pra gente sempre foi uma nova experiência. A grande maioria dos discos foram gravados em estúdios diferentes de formas diferentes pelo simples fato de que nós não temos rabo preso com nada, fazemos aquilo que estamos com vontade naquele momento. Nesse momento estamos trabalhando da forma mais independente que já trabalhamos, gravando tudo em casa e experimentando coisas que não tínhamos oportunidade em outros estúdios devido à condição financeira da banda e está sendo uma das melhores experiências nesses últimos 10 anos.

Rogério: Eu não consigo enxergar a produção de novas músicas ou qualquer obra repetindo uma fórmula, não existe isso, nós mudamos como pessoas… todo mundo muda, crescemos de diversas formas e temos novas experiências, não há como isso não refletir nas músicas. Vai mais além do que um rótulo de estilo ou coisa assim.

A possível influência da coletânea Nuggets: Original Artyfacts da First Psychedelic Era, dos anos 60
Thiago: Eu não conhecia essa coletânea, fui olhar agora e vi que nunca ouvi falar de 90% das bandas que estão lá. Mas quando pensei na sonoridade desse novo disco que estamos gravando eu pensei nos primeiros trabalhos do Budgie, que foi até o que passamos pro Friggi usar de referência nas mixagens de Trouble e Magic Boy.

Marcelo: Eu gosto bastante do Nuggets em particular pois, além de muita psicodelia da época, tem muito de proto-punk, garage rock e afins. Descobri essa coletânea por causa da música do Standells regravada pelo Minor Threat. Mas eu penso que são épocas e momentos diferentes, o que a gente faz é uma coisa bem mais da nossa vontade de fazer aquilo que a gente tá afim do que se prender a modelos ou ideias. Se você pegar os primeiros álbuns eles têm muito mais relação com hardcore-punk, por exemplo.

Rogério: Pra mim qualquer banda boa é “garageira”, a diferença era que as bandas de sucesso progressiva da década de 70 tinham dinheiro pra comprar muito equipamento e gostavam de testar coisas mais eruditas e virtuosas.

Modelos de lançamento de novo material
Thiago: Na minha opinião tem tanta, mas tanta coisa sendo lançada que é difícil a galera se ligar em tudo mesmo com muita atenção. Quando eu digo se ligar é ouvir mesmo, ler a letra e se aprofundar. A facilidade de lançar musica digital é uma das grandes responsáveis por esse fenômeno, na minha opinião. Não acho que o formato de publicação mexa com a qualidade das músicas no geral, apesar da diferença entre streaming e vinil, por exemplo, no geral serem boaa. No nosso caso o formato pode ter influência em ordem e das músicas e a estrutura do álbum, mas não na qualidade.

Marcelo: Hoje existe público pra tudo, desde aquele cara que só escuta Spotify até o que coleciona fitas K7. Não sei se existe uma relação entre formato de publicação e qualidade da música, a nossa ideia sempre vai continuar a mesma independente de formato.

Rogério: Eu não vejo interesse do público, a não ser que a banda seja um produto legal de ser copiado e “trivializado” pelo ouvinte, seja pelas roupas, fotos, mídias sociais ou um formato bem copiado de banda de sucesso, igual aquele Backstreet Boys que imita o Led Zeppelin (N.E.: Greta Van Fleet). Em relação à qualidade de som, eu prefiro não me preocupar pra não chorar sozinho no escuro do meu quarto.

A arte é resistência
Thiago: Não sei dizer se a arte é ou não um símbolo de resistência porque tem muita banda com pensamentos sombrios também. As composições são quase sempre inspiradas em na realidade do momento da composição, que é diretamente relacionado com crises ou bonança econômica, politica etc . Trouble, por exemplo, tenta contar uma história de uma pessoa sem saídas, que já não tem muita coisa a perder e isso pode acontecer por influência de um mau governo. Um momento sombrio pode ser muito inspirador pra arte.

Marcelo: Infelizmente, pelo menos aqui no interiorzão de SP (Lorena), fazer rock hoje não está mais significando muita coisa em relação ao que podemos entender como expressão artística. Até porque, falando bem a verdade, não é possível nem fazer rock aqui por falta de espaço e de movimentação das pessoas na região, todos muito acomodados. Falo isso também pois existem muito “roqueiros” conservadores por aqui. Resistir hoje eu penso que poderia ser a união de ideias e livre de preconceitos, rótulos ou estilo. Símbolo de resistência é andar na contramão independente do que você está fazendo.

Rogério: A história da humanidade só se repete, é sempre a mesma ladainha, o que está variando é que há gente cada vez mais desinformada dando opinião especializada. Fazer musica é um ofício, só depende de trabalho duro, foco e dedicação.

A nova mídia musical
Marcelo: É por causa de pessoas que amam a música, assim como nós, que estamos nessa! Eu penso que a grande mídia tem tanta importância quanto as pequenas mídias e independentes, penso que o simples reconhecimento de uma pessoa no seu show tem sua importância. O mais importante é ela e as pessoas ao seu redor aderirem de fato a sua ideia, senão ficamos na mesma. Não gostaria de dar as caras onde não sou bem-vindo.

Rogério: Mídia é fundamental, aparecer, mostrar seu trabalho… como qualquer profissão. Só depende de como trabalhamos; as que dependem de nós e de como as grandes mídias corporativas recebem nosso trabalho e se interessam por nós. Tem o fato de que é importante enxergar e também, criar oportunidade.

A psicodelia moderna
Thiago: Esse lance de psicodelia na Lo-Fi, se é que podemos chamar isso de psicodelia, aconteceu muito naturalmente. Na verdade a gente aprendeu tocando punk e é a primeira vez na vida que em alguma entrevista esse nome aparece tanto. O resgate vem das influências, do que ouvimos. Hoje fala-se muito em anos 90 e, apesar de gostar das músicas dos anos 90, nós gostamos de nos influenciar mais por coisas mais antigas, country, blues, rockão… pelo menos nesse momento.

Marcelo: Hoje apesar de muita informação disponível em diversos veículos a desinformação é o que impera. Mas a gente não tá em busca de ensinar ninguém, se você gosta do nosso som da forma com que ele é, independente de rótulos, seja bem-vindo. Eu ouço música pop e também coisas fora dos “padrões”, acho que vai de cada um. O que não falta por aí hoje são julgadores e donos da verdade (risos).

Rogério: Psicodelia é tema, não efeito, nestes casos, usaram alguns efeitos pra se expressar, mas não precisamos disso, da mesma forma que não preciso de LSD pra expandir minha sensibilidade. E como a parada é temática, você cria isso desenvolvendo conceito, criação de histórias, o famoso estudar muito pra fazer. Pop é lindo, reflete o que as pessoas pensam, o povo. Ai tiramos nossas conclusões que as vezes não são muito animadoras.

A nova cena
Marcelo: Tenho gostado bastante do trabalho que o Abraxas tem feito pelo rock aqui no Brasil, que tem trazido bandas de rock de diversos estilos pro seu cast. Eu nunca gostei das cenas no mundo do rock, as ditas panelas por aí. Ou você gosta aí de uma certa banda, música, estilo ou não. Esses movimentos separatistas só atrapalham, gosto de lembrar do show do Sepultura com o Ratos de Porão em BH nos anos 80 como exemplo de união.

Rogério: Eu sou alienado, eu vivo no meu mundo e sei lá o que esta acontecendo, não saio do meu quarto e se saio eu bebo pra não ver nada. E acho que como falei anteriormente a bola da vez é a imagem, não importa o estilo, mas é claro que o stoner esta em alta pela moda de se vestir anos 70, sai bem na foto e esta ligado a maconha, que também esta na moda. Eureka!

Daqui pra frente
Thiago: Lançamento de novo álbum, sempre compor e a tentativa de uma nova turnê internacional em 2020. Sempre compor novas músicas e tocar.

Marcelo: Um álbum novo ainda esse ano, um projeto bem doido com uns gringos malucos aí e esperamos que bons shows. Se sobrar tempo quem sabe umas surpresas mais pro final do ano…

Rogério: Expectativa de muito trabalho, e que isso seja transparente nas músicas e shows.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.

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