Entrevista

Entrevista PIN UPS

Um verdadeiro patrimônio da cena alternativa nacional. Formada em 1988 na cidade de Santo André, São Paulo. O Pin Ups é considerado um dos criadores do movimento guitar, precursor do indie rock brasileiro. Dono de um rock torto, teve como influência nomes como MC5, Stooges, Loop, My Bloody Valentine e The Jesus and Mary Chain, dando forma a um som tão único que fez história no underground nacional.

Ao longo de sua história, o Pin Ups encarou alguns hiatos e chegou a realizar um show de despedida, mas o carinho do público e a vontade de continuar foram maiores, trazendo a banda de volta para a cena e arrebatando novos fãs três décadas após sua formação. Um roteiro digno de cinema, que teve parte de sua representatividade apresentado em documentários como Guitar Days – An Unlikely Story of Brazilian Music e Time Will Burn.

No próximo fim de semana o Pin Ups é uma das atrações do mini-festival organizado pela Powerline, que trará ao Brasil nada menos que L7 e Soul Asylum, além do também brasileiro Deb and the Mentals, outra grande revelação da cena alternativa.

O registro dessa entrevista com José Algodoal é mais que um registro histórico, mas um retrato de bandas que nasceram exclusivamente com a ideia de fazer música inspirado em tantos nomes que amam. E seguem com isso até hoje. Longa vida ao Pin Ups! 

A longevidade do Pin Ups
José Algodoal: Quando começamos éramos apenas uns moleques e o fato de ter uma banda já era algo incrível. Eu sempre amei tocar e isso bastava. Jamais imaginaria estar com a banda tanto tempo depois. Mas sabemos que isso é um privilégio, nos sentimos extremamente felizes por ver pessoas indo aos nossos shows, ver que gente mais nova curte nosso som.

Em 2016 nos preparamos para o que seria nosso último show, que aconteceu no palco do Sesc Pompeia, e foi justamente aquela acolhida que nos fez mudar de ideia. Somos extremamente gratos por esse carinho

Mudaram as motivações para fazer rock?
José Algodoal: É difícil dizer se as motivações mudaram. Para nós continuam as mesmas, mas continuo achando que na verdade o tipo de música mais barulhenta sempre esteve ligada ao underground… e provavelmente vai continuar assim.

Nos anos 90, com o advento do grunge, houve um pouco mais de atenção à cena, mas ainda hoje existe muita banda boa por aí fazendo barulho, tanto aqui quanto no exterior. Aqui no Brasil houve sim uma aproximação com uma sonoridade mais MPB, mais limpa. Talvez exista mais gente fazendo esse tipo de som, não sei dizer com exatidão, mas acho que o aparecimento do Los Hermanos foi algo decisivo, que de certa forma incentivou muita gente a buscar uma sonoridade mais limpa, mais brasileira. Movimentos como o Mangue beat, projetos ligados à MPB como os do Marcelo D2 também abriram caminho para essa nova cena. Talvez essas bandas já existissem e não encontrassem espaço.

A relevância do movimento guitar no Brasil
José Algodoal: Acho que realmente na época não fomos capazes de reconhecer valor no que fazíamos; e aqui falo de toda uma geração e não apenas do Pin Ups. Não sei avaliar o tamanho da influência que tivemos, e se tivemos. Mas já ouvi alguns artistas importantes se referindo àquela época com respeito.

Fico feliz com isso, mas sei que com as limitações da época, sem internet, quase nunca tocando nas rádios, o alcance de tudo isso foi limitado. A ajuda vinha de pessoas como o Kid Vinil, o Naporano, o Roberto Maia, Marcel Plasse, a MTV e alguns jornalistas que entendiam o que algo estava acontecendo ali e muitas vezes chamavam a nossa atenção para isso. Hoje você tem mais facilidades. Ter promotores de shows que incluem bandas nacionais em festivais como a Powerline, Balaclava e o Popload já mostra uma mudança brutal.

A importância e força dos grandes canais na música hoje
José Algodoal: Muita gente critica os grandes festivais. Eu gosto e acho que eles possibilitam que a gente veja muitas bandas que dificilmente viriam para cá de outra maneira. Não dá para falar que seria ruim tocar em um Lollapalooza. É sempre interessante, mas com tantas bandas em três dias poucas serão lembradas após uma ou duas semanas. Os festivais menores, feitos por produtoras como Abraxas e Powerline permitem que as bandas nacionais tenham mais visibilidade, mais tempo para tocar e quase sempre são tratadas com o mesmo respeito dispensado aos headliners. E isso é muito melhor, sem dúvida. Mas não dá para pensar nisso como algo que fará a carreira decolar, esse é só um dos elementos que podem te ajudar, mas o trabalho precisa ser muito maior e constante.

Aqui no Brasil isso não é fácil. Se você pensar em um país como a Inglaterra, sabe que lá existem publicações sobre música, que bandas menores tocam na programação da Radio 6, que programas da BBC promovem artistas underground, mas tudo isso faz parte de uma cultura musical que não existe em nosso país. A grande mídia prefere artistas com mais apelo popular, o que é compreensível e aceitável em um cenário de busca por audiência. Formar um novo pensamento como a MTV fez é algo difícil e tem seu preço, tem que ter culhão, assim como a Rolling Stone teve em um certo período. Mas é bom lembrar que a relação com a música hoje em dia é muito diferente, os mecanismos são outros, o acesso à informação mudou. O desafio é saber como administrar streaming, ter visibilidade nas redes sociais etc. Não acho isso melhor ou pior, é só outro momento. De qualquer forma, o underground nunca foi dependente da grande mídia.

Novos fãs na era do streaming
José Algodoal: Ver novos fãs da banda é uma das coisas mais incríveis que poderia nos acontecer. Sabemos da importância disso e sinceramente nos sentimos muito felizes.

Em relação ao Spotify e sites de streaming, eu acho incrível. Embora eu ainda seja uma daquelas pessoas que comprar discos e CDs, eu adoro saber que o acesso à música se tornou mais democrático, Adoraria que isso existisse há alguns anos. A única dificuldade é que o volume de informação é grande demais e muita coisa se perde em meio a tudo isso.

O underground em tempos de conservadorismo
José Algodoal: Esse conservadorismo realmente é assustador. Venho de uma geração que lutou pela liberdade em todos os sentidos e fico bastante aflito com esse retrocesso. É estranho ver músicos e artistas se posicionando a favor de pessoas que pregam o cerceamento dos direitos, da igualdade e da liberdade. Questionamento é sempre necessário, discordar é normal, mas o ódio cego que tenho visto por aí é inaceitável. O que dá um alento é saber que ainda tem muita gente questionando e combatendo tudo isso, sabendo que o respeito é a única solução possível.

Nossas letras nem sempre tem um conteúdo político explícito, mas quem nos acompanha sabe que a Alê sempre foi feminista, que nós sempre tivemos um posicionamento mais humanista, que jamais concordaremos com qualquer tipo de censura, de racismo, de preconceito ou ameaça à individualidade e ao livre pensamento. E se for preciso a gente deixa isso mais explícito.

O hip hop hoje e seu papel no underground
José Algodoal: A importância da cultura Hip Hop é inegável. Uma das coisas que ajudaram nesse processo é que eles sabem muito bem do que estão falando. Desde sua origem nos Estados Unidos, sempre viveram e foram testemunhas de tudo o que falam e por aqui isso se repete. O questionamento feito por artistas como Criolo e Emicida são fundamentais e tem muitos outros nomes bons por aí. Esses dias o Adriano me mostrou umas músicas da Mc Tha, e as letras são incrivelmente lúcidas e maduras. Fico muito feliz que isso esteja acontecendo e espero que as mensagens sejam ouvidas e entendidas.

O rock em si, já nasceu como algo questionador, provocador, mas é fato que perdeu um pouco dessa identidade nas últimas décadas. É claro que existem bandas que ainda hoje mantém esse espírito, mas voltar a ter a relevância política dos anos 60, por exemplo, é algo que em minha opinião pode levar um certo tempo, se é que isso voltará a acontecer. É claro que aqui estou falando de uma maneira bem genérica, falando do rock em todas as suas vertentes, mas mesmo no underground temos muitos exemplos de bandas que sempre mantiveram sua atitude, a combatividade, questionamento, e defesa de seus ideais.

A entrada de Adriano Cintra e o legado de bandas como Mickey Junkies, Wry, Thee Butchers Orquestra
José Algodoal: Sim, o Adriano é o mesmo do CSS e do Thee Buthchers. Estamos muito felizes com ele na banda.

Sobre a cena, acho que as mudanças são inevitáveis. São poucas as bandas longevas como nós, o Killing, o Wry e o Mickey Junkies. Mas a verdade é que uma banda é um organismo vivo em que, apesar do objetivo comum, você lida com expectativas, carreiras, famílias e vontades de pelo menos três ou quatro pessoas. E a vida muda, o tempo traz outras necessidades, outra visão, outros desejos. Estar tocando com as mesmas pessoas por tanto tempo é algo extraordinário, algo bom, com laços muito fortes e muito amor e respeito.

Muita gente imagina que uma banda acaba por brigas, discussões, diferenças, mas nem sempre é assim. Às vezes simplesmente acontece. De certa forma é triste porque vemos uma banda como uma unidade, criamos um laço afetivo com os artistas que gostamos, mas nem sempre isso significa que se perderam. Em alguns casos foi justamente o contrário,

Pin Ups daqui para a frente
José Algodoal: Acho que já falei isso, mas não canso de dizer o quanto nos sentimos privilegiados e felizes com esse respeito do público por nós. Para 2019 a novidade é um disco novo, que acabamos de gravar, graças a uma parceria com o Estúdio Aurora, e que agora está em fase de mixagem.

Dessa vez contamos com diversas participações como o Jim Wilbur do Superchunk, que tocou em uma das faixas, a Amanda Buttler do Skydown e o duo Antiprisma, que fizeram uns backings incríveis, o Pedro Pelotas do Cachorro Grande, que tocou moogs e pianos em várias faixas e a nossa antiga guitarrista, Eliane, que veio pro Brasil pra gravar algumas faixas com a gente. A sonoridade às vezes será um pouco diferente dos discos anteriores, mas não faria sentido se estivéssemos soando do mesmo jeito quase duas décadas depois do último disco.

O disco deve sair no primeiro trimestre do ano que vem e com isso pretendemos marcar alguns shows pelo país. Tem mais algumas novidades vindo por aí , mas logo a gente fala nas redes sociais, ou aqui mesmo com vocês.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.