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Steven Wilson: novas cores ao rock progressivo

Dono de uma consolidada carreira solo e homem de confiança das grandes bandas de rock progressivo do passado, o inglês Steven Wilson se tornou a bola da vez em um gênero que gradualmente se adapta ao novo século encarando de frente uma geração avessa à maioria de seus conceitos originais.

Músicas longas, discos conceituais, solos de extrema técnica e um andamento muitas vezes cadenciado. Pensar na relevância que exerce sobre a mídia o rock progressivo em pleno século XXI é como imaginar um peixe subindo uma cachoeira. Não é uma tarefa fácil. Em um mundo dinâmico repleto de playlists de curta duração, fica difícil conceber uma faixa de 10 minutos, exceto pelo fato de Steven Wilson estar envolvido nesse processo.

Músico inglês que se tornou pilar de uma gama incontável de projetos, Steven Wilson é seguramente o elo mais consistente entre o passado e o presente de um gênero que sobreviveu ao cataclisma da indústria fonográfica e se surge novamente revigorado através de suas mãos.

Fundador do grupo Porcupine Tree, um dos mais representativos do chamado rock neoprogressivo, Steven Wilson trouxe fôlego a um gênero que parecia fadado a desaparecer com o fim da década de 80. Ao lado de bandas como o Marillion, injetou novos elementos ao chamado rock clássico dos anos 70 para atravessar a década caminhando no fio da navalha que condenou tantas vertentes musicais. Flertou com o heavy metal, agregou elementos até então desprezados do rock psicodélico e rejuvenesceu o rock progressivo.

Aproveitando a onda que fez ascender ao mainstream a cena alternativa de bandas como Radiohead e Muse na virada do século, agregou elementos eletrônicos ao rock com a sutileza de quem sempre soube caminhar a frente de seu tempo, construindo uma carreira irrepreensível ao lado de Richard Barbieri, tecladista do Porcupine Tree.

Nesse caminho não faltaram projetos. No-Man, Incredible Expanding Mindfuck, Bass Communion e o Blackfield. Neles, o mergulho por vertentes como o krautrock, o ambiente e o drone. Algo tão inimaginável dentro do mainstream que chega a ser surreal pensar na relevância que o multi-instrumentista conseguiu na década seguinte.

Angariando uma base considerável de fãs, Steven Wilson teve seu principal projeto, o e Storm Corrosion, lançado pela conceituada gravadora Roadrunner Records. Ao lado do líder do Opeth, Mikael Åkerfeldt, com quem já tinha uma grande amizade, deu novos rumos não só ao rock progressivo ao fim da primeira década do novo século, mas ao heavy metal como um todo.

Ainda colhendo os frutos de sua parceria com Mikael com o segundo disco do Storm Corrosion, Steven trabalhou também no lançamento vindouro da banda Opeth, o elogiadíssimo Heritage. Só depois embarcou em uma carreira solo conceituadíssima, aprofundando ainda mais seu mergulho nas mais variadas vertentes do rock contemporâneo à medida em que se aproximava cada vez mais da música de seus grandes ídolos.

Steven Wilson nunca teve a pretensão de ser o novo King Crimson ou sucessor Pink Floyd. Dado seu trabalho em Insurgents, seu primeiro disco solo, o músico inglês sempre se preocupou em caminhar na mesma direção de artistas como David Gilmour, olhando para frente. Para se ter uma ideia, um ano antes o eterno guitarrista do Pink Floyd trabalharia ao lado de Alex Paterson e Thomas Fehlmann, da dupla de música eletrônica The Orb, no intrigante álbum Metallic Spheres, registro que algumas décadas antes poderia ser considerada uma heresia junto aos fãs de rock progressivo, que naquele momento mostrava sua nova cara.

Grace for Drowning, disco que o trouxe ao Brasil pela primeira vez, e The Raven That Refused to Sing, que serviu de background em sua segunda e épica turnê pelo país, o consolidaram como um dos mais inventivos artistas da atualidade. Trabalhando com nomes como Chad Weckerman (baterista da banda de Frank Zappa) e o guitarrista Guthrie Govan, um dos maiores guitarristas dessa década e fundador do The Aristocrats, transformou o rock progressivo em algo tão palatável quanto atmosférico, garantindo um novo patamar para um gênero que parecia condenado há alguns anos.

Hoje com cinco álbuns lançados, o último deles To the Bone, de 2017, Steven Wilson colhe os frutos plantados ao longo de uma carreira inquieta e repleta de parcerias pontuais que trouxeram ao seu trabalho uma versatilidade quase impensável para um artista. E claro, isso o levou para cada vez mais próximo de alguns de seus maiores ídolos.

Disposto a revitalizar o gênero que o consagrou, trabalhou nas versões remasterizadas de clássicos absolutos do gênero como a trinca formada pelos álbuns Red, In the Court of the Crimson King e Lizards, lançados pelo King Crimson no início da década de 70. A partir daí vieram trabalhos seminais de bandas como Jethro Tull, Emerson, Lake & Palmer, Yes, XTC, Hawkwind, Gentle Giant e Caravan, em uma lista que não para de crescer e tem planejado para esse ano ainda nada menos que A Farewell To Kings, do Rush, o disco de estreia do art rock do Roxy Music, além de Brave, disco que ao lado do trabalho de Steven com o Porcupine Tree nos anos 90, deu sobrevida ao rock progressivo.

Incansável, Steven Wilson ainda coleciona dezenas de colaborações em trabalhos de artistas como Yoko Ono e Anja Garbarek, mostrando que seu conhecimento sempre foi muito além do rock propriamente dito.

Visto hoje como um dos artistas mais completos em atividade no mundo da música, o genial – e genioso – multi-instrumentista inglês tem em seu currículo um legado que certamente o posiciona ao lado das verdadeiras lendas da música. Uma façanha que, agora consolidada e pintada em cores vivas, garante pelos próximos anos a sobrevivência de um gênero que sobreviveu ao desafio do tempo para se revitalizar e renascer através da genialidade e imagem de um único artista.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.