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Underworld + Iggy Pop – Unindo as pontas do submundo da música

Improvável e arrebatador, o EP Teatime Dub Encounters é lançado a partir da colaboração de Iggy Pop com o Underworld e faz com que o submundo da música novamente dê as mãos e reforce a máxima de que música é sempre algo muito maior que aquilo que ouvimos.

São apenas quatro faixas e pouco menos de meia hora de música, mas o suficiente para escrever seu nome na história. Contando com os vocais de Iggy Pop e as batidas da dupla galesa de techno Underworld, o EP Teatime Dub Encounters revisita a história de dois dos gêneros mais engajados da história da música e une a atitude de quem sempre se inseriu na contramão de uma sociedade conservadora e mais de meio século depois segue relevante.

Iggy Pop, todos sabe, é seguramente um dos maiores ícones da contracultura do século XX. Seja no mundo da música, nas artes e até no cinema, o líder do lendário The Stooges transformou o caos em arte e sempre foi ligado à cena punk, ainda que tenha feito de uma onda diferente daquela que consagrou bandas como Ramones e Sex Pistols.

Já o Underworld é outra instituição, mas não dos palcos. Responsável por emplacar verdadeiros hinos do techno, nasceu em Cardiff, País de Gales ainda no início da década de 80. Formado por Karl Hyde e Rick Smith, foi influenciado pelo movimento de Detroit e as acid house parties, já que a terminologia “rave” não existia ainda, que começavam a se formar no Reino Unido.

Assim como tudo o que permeou a história de Iggy, o contexto que envolve o Underworld tem suas raízes encravadas nas questões sociais e econômicas do Reino Unido. Na época contando com a “Donzela de Ferro” Margaret Thatcher no papel de Primeira Ministra, toda a região passava por sequentes tensões raciais, além de uma relação caótica com o Exército Republicano Irlandês (o IRA). A mão de ferro de líder do parlamento inglês mexeria demais com o desenvolvimento da cena eletrônica no país.

Para se ter ideia, a primeira rave – com essa terminologia – só foi documentada próximo dos anos 90 e distante de Londres, onde eram proibidas. Portanto, participar das acid house parties em nada diferia da cena que se formou no CBGB, por exemplo, em Nova York.

O pulo do gato na carreira do Underworld só aconteceria nos anos 90, com seu segundo álbum, Second Toughest in the Infants, que fez parte da trilha sonora do seminal filme Trainspotting, do diretor Danny Boyle, com a clássica Born Slippy .NUXX. Na ocasião, Iggy também participaria da trilha com Lust for Life. Um sucesso absoluto!

Os tempos eram outros também. Nessa época todo o Reino Unido fervia ao som de expoentes como Chemical Brothers e Orbital, fazendo nascer a primeira geração de “Superstar DJs”. E desde então muita coisa aconteceu. Iggy Pop reformou o The Stooges, o Underworld se tornou “clássico”, viu a cena rave se fortalecer, a EDM dominar todo espectro dançante, Iggy Pop gravar discos solo, ser parceiro de Josh Homme e se tornar um ícone da moda e do cinema… enfim, o mundo mudou para ambos os artistas.

O nascimento de Teatime Dub Encounters se deu a partir da ideia de Danny Boile em gravar uma sequência para sua seminal obra em 2016. Reunindo todo elenco original, aproveitou a ocasião para convidar parte dos artistas que estiveram presentes na composição da trilha do filme, 20 anos antes. Foi quando Rick Smith estreitou seu laço musical com Iggy e aproveitou as sequentes reuniões para desenvolver algumas faixas do filme e investir em uma improvável parceria.

Lançado a partir de cópias limitadíssimas, o EP que funde a obra de Iggy Pop e do Underworld está disponível em todas as plataformas digitais e não decepciona. Bells & Circles, primeiro single do EP, investe no techno que consagrou o grupo, enquanto faixas como Trapped lembram bem o trabalho de Iggy dos anos 90, especialmente durante a explosão do electroclash. Mas é com I´ll See Big que a junção de dois mundos se coroa a partir de uma emblemática letra entoada suavemente na carrancuda voz do artista americano.

Tire as mãos da sujeira / Seja um presidente ou funcionário / Pegue sua camisa, pegue sua camiseta / Porque ninguém ama um idiota / Está ficando muito mais difícil se sentir livre / Está ficando difícil ser eu

Poderia ser mais uma música, mas basta ligar os pontos para ver que não é. Oriundos de uma geração que nasceu a partir da contramão dos costumes, Tanto Iggy Pop como Underworld sempre levaram sua paixão pela arte ao nível mais extremo, às vezes até escatológico, para defender o que acreditam. Por isso Teatime Dub Encounters não é só o EP, mas a junção de dois universos nascidos no underground.

Reflexo de novos tempos, Iggy e tantos outros ainda tem muito a dizer, bastante apenas àqueles que tem acesso a tudo isso com a ponta dos dedos ver que música está muito além daquilo que se ouve.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.