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A desconstrução do Above & Beyond

Vivendo uma de suas fases mais conturbadas desde a popularização no início da década de 90, a música eletrônica colocou nos últimos anos toda uma geração na parede para refletir sobre quais elementos fazem de alguém um bom DJ. Outrora underground, o gênero dominou as rádios de todo mundo e foi elevada a um patamar onde nunca esteve, mas tal qual um pacto com o diabo, a música eletrônica também pagou seu preço.

A criação de softwares e equipamentos cada vez mais sofisticados, além da facilidade de produção e a chegada de um ranking passou a qualificar seus artistas criou uma disputa de popularidade que colocou sua essência em segundo plano e ofuscou uma geração que praticamente moldou o gênero e ficou notavelmente conhecida como os “Superstar DJs”, como bem lembra a faixa Hey Boy, Hey Girl, presente no seminal Surrender, lançado em 1999 pela dupla inglesa Chemical Brothers.

Cada vez mais multimídia e levando novos nomes ao estrelato com uma velocidade tão similar ao seu desaparecimento, a música eletrônica colocou em xeque a qualidade de músicos que um dia se tornaram referências para uma nova geração e que vez por outra acaba sendo forçada a mostrar (novamente) quais ingredientes o conduziram por esse caminho de glórias e estabilidade dentro de um mercado tão mutável.

O trio inglês Above & Beyond, formado por Jono Grant, Tony McGuinness e Paavo Siljamäki é um dos bons exemplos de como separar o joio do trigo quando a situação exige uma atitude e uma direção musical que comprove sua capacidade. Donos de uma extensa discografia e presença marcante nos maiores eventos do planeta, o trio se destacou na emergente cena do trance europeu, que na virada do século revelou ao mundo nomes como Armin Van Buuren, Paul van Dyk e Tiesto, ambos em evidência até a atualidade.

Diferente da elite holandesa, que posteriormente se aventuraria por uma cena mais próxima da house music e até da música pop, o Above & Beyond seguiu por um caminho que sempre o colocou mais próximo do chamado progressive trance, vertente da escola alemã marcado por linhas melódicas mais lentas e maior associação com outros elementos, realizando uma música mais linear e distante da embalagem pop dos últimos cinco anos.

Essa fórmula fez com que o trio alcançasse respaldo mundial e conduzisse uma carreira marcada por hits, parte deles apresentados através da coleção Anjunabeats e Anjunadeep, selo por onde mostraram ao mundo uma vasta coleção de faixas trabalhadas minuciosamente, porém sem abandonar sua discografia particular e ser lembrado por qualquer amante do gênero por produções como Sirens Of The Sea e Can’t Sleep, entre muitas outras. Mas mesmo com uma avalanche de álbuns mixados, o Above & Beyond chegou a 2013 somente com três álbuns de produções inéditas e diante de um cenário que exigia muito mais que as dezenas de compilações do trio, que já fez história em diversas aparições no Brasil, inclusive na edição 2011 do Skol Sensation, quando trouxe ao país o trio completo, algo raro diante de sua vasta agenda.

E foi olhando para o passado que Jono, Tony e Paavo resolveram dissecar sua história e dar um passo ousado na carreira, lançando no início de 2014 o ousado Acoustic, que como o próprio nome propõe, é realizado 100% em formato acústico.

Repassando parte de seu repertório mais famoso, o trio inglês apresentou seus hits de forma orgânica, caminhando exatamente na contramão da música eletrônica atual e evidenciando a profundidade de seu trabalho.

Confira abaixo as duas versões de Sirens of the Sea, uma das faixas mais emblemáticas da carreira do Above & Beyond:

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{youtube}aRhEoY3V_0c{/youtube}

Além de se tratar de belíssimo trabalho, Acoustic deixa claro que é um contraponto a importantes fatores ocorridos nos últimos anos. Seja pela difusão do dubstep ou a associação quase inevitável do gênero como a música pop, fica difícil pensar que o caminho questionável que música eletrônica vem tomando não tenha servido de motivação para o trio partir para um projeto tão ousado. A façanha realizada pelo Above & Beyond foi levada ao palco ao lado de uma orquestra de 24 peças na Inglaterra e nos Estados Unidos, com ingressos esgotados, onde teve a oportunidade de mostrar que o trance de outrora é algo muito maior que uma sequência de programações, exalando uma complexidade próxima da chamada world music.

Ao desconstruir sua música e realizar releituras para faixas extraídas dos álbuns Sirens of the Sea (as Above & Beyond presents OceanLab), de 2008, e Group Therapy, de 2011, o Above & Beyond comprovou a profundidade de seu trabalho a ponto de ignorar as crtíticas que frequentemente associam a música eletrônica a algo superficial.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.