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Blues Etílicos e a maldição de um gênero estereotipado

Celebrando seus 35 – bem vividos– anos de carreira, o pioneiro grupo carioca Blues Etílicos segue como referência para o gênero que estampa seu nome, mas vivendo em um paradoxo que até hoje esconde a potência de sua música e, após décadas, afasta da banda a possibilidade de atingir um público ainda maior por ver o Blues no Brasil seguir tão estereotipado

Na última quarta-feira (23), o público paulistano teve a chance de conferir a primeira de três apresentações que o lendário grupo Blues Etílicos realizará no circuito SESC da cidade. Celebrando 35 anos de história, ver em ação Flávio Guimarães, Greg Wilson e Otávio Rocha não é qualquer coisa, mas ainda assim, parece que a comoção do público parece ainda passar longe do tamanho da história do grupo.

Seja pelo calendário em ebulição nesse período de quase “pós-pandemia” ou pela falta de conhecimento sobre a banda, o que se percebe é que após décadas de história, certos dogmas sufocam histórias que mereciam ser mais bem exploradas. E essa combinação de fatores afeta diretamente a história do Blues Etílicos.

Logo no início do show, a potência do grupo carioca ao vivo impressiona. Após duas músicas, ouvir o comentário de um amigo dizendo “que foda, eu não imaginava que era assim” minutos antes de Flávio Guimarães explicar que, apesar do Blues estampar o nome da banda, o rock e os ritmos brasileiros moldou sua história, soa mais como um alerta que uma descoberta. E aí voltamos algumas décadas para tentar entender por qual motivo o blues se tornou algo tão estereotipado no Brasil e se distanciou do grande público.

De forma imediata, pensei em pelo menos 3 ou 4 nomes que são bastiões do mundo do rock até hoje. De cara, o ZZ Top, trio do Texas formado no fim dos anos 60. Frequentemente ligado ao estigma de “classic rock”, o trio de Billy Gibbons, o falecido Dusty Hill e Frank Beard emplacou nos anos 80 hits como Gimme All Your Lovin e Legs, sua fase mais pop, mas para quem teve a chance de acompanhar sua carreira antes disso, imediatamente se refere a ele como um grupo de Blues, pilar que pode ser explorado à revelia em sua primeira década de história. Ao vivo, o ZZ Top tem o gênero como fio condutor, se distanciando vez por outra dele, mas mantendo suas raízes. Mesma coisa com os Rolling Stones, uma prova cabal do quanto o rótulo musical afeta a percepção sobre um artista. E não é necessário falar muito sobre a história do grupo inglês, já que isso pode ser encontrado em DVDs, filmes, livros etc, tamanha ligação do grupo com o Blues, ainda que seja um “monstro do rock”.

Fazer esse interlúdio é necessário porque uma parte de quem confere ao vivo uma banda como o Blues Etílicos tende principalmente a imaginar sua música engessada nas raízes do Mississipi (ou Macon, cidade da Geórgia onde nasceu a Allman Brothers Band, uma das referências do grupo). E o Blues Etílicos é MUITO mais que isso.

Assim como os grupos citados, o fio condutor do Blues Etílicos é – obviamente – o Blues, mas está ali toda uma salada musical que confere ao grupo uma condição muito única na música brasileira, que se reflete na quantidade de parcerias realizadas ao longo de sua carreira. De Fausto Fawcett (aquele, dos Robôs Efêmeros) e Pedro Luís ao descoladíssimo produtor Kassin, o Blues Etílicos conseguiu fazer sua música, enérgica e tão cheia de feeling, adquirir referências externas que deveriam garantir sua presença não só ao lado de grandes nomes do Blues, com quem já tocou, mas em festivais de rock, MPB e, enfim, de música! Não é todo dia que você ouve alguém fazer uma homenagem a um violeiro como Tião Carreiro e executar uma balada como a clássica Misty Mountain, composição de Greg Wilson, em um mesmo show. Do interior paulista aos cânions americanos, a realidade do Blues Etílicos é que não existe fronteira para sua música, inclusive no idioma, onde divide bem seu repertório com faixas em português em inglês.

Ao ser embalado, assim como o jazz, e transformado em uma música para pequenos ambientes fechados, o Blues se torna inacessível justamente por parecer uma música difícil. Até por esse motivo, quem não conhece e assiste a um show do Blues Etílicos, se surpreende com a facilidade com o qual “dá liga” com aquilo, especialmente na vitalidade que o grupo se doa no palco. Não existe sensação melhor de ver alguém que não conhecia a banda sair como novo fã, é sério!

Quando comecei a fazer esse texto, pensei no Blues Etílicos no Lolla, no Rock in Rio. Não ali escondido, mas em grandes palcos. Pensei em como o Blues, estampado no nome da banda, deu a ela uma benção e um fardo.

Se hoje o Blues Etílicos completa 35 anos de história a todo vapor, e com um show tão intenso, não é só porque seus integrantes amam o que fazem, mas  porque, a cada dia, sua música derruba uma parede e, como um trabalho de formiguinha, derrete dogmas que colocaram o gênero que veio do povo pobre cada vez mais longe dele.

Abra uma cerveja e resgate a discografia do grupo antes de seu lançamento de 35 anos de história, Água Mineral, Salamandra ou Puro Malte, o que não falta é boa música para se ouvir em alto e bom som. Apresente a banda aos amigos e confira esse furacão ao vivo.

Que seus próximos 35 anos sejam ainda mais intensos que esses que passaram. Viva o Blues Etílicos!

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.