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Cobain: Montage of Heck

Montage of Heck, do diretor Brett Morgen, partiu de uma ousada premissa: esmiuçar a vida íntima e a mente de Kurt Cobain. Com a bênção da filha Frances Cobain e da ex-mulher Courtney Love, Morgen teve acesso a todo o acervo pessoal de Kurt, incluindo diários, vídeos de família, fitas cassette gravadas por ele – uma delas leva o título que nomeia o filme – e desenhos.

Esse rico acervo forma a espinha dorsal do documentário e é responsável pelo grande erro na direção: encantado pela figura de Kurt Cobain, Morgen não consegue sair do roteiro infância e adolescência perturbadas – criatividade extrema – despreparo para a fama – suicídio. E esse é o clichê dos clichês quando se fala do líder do Nirvana.

Do Nirvana mesmo, pouco se fala no filme, e em grande maioria da forma que Kurt odiava: por via da mídia, com pedaços de entrevistas e bastidores de gravações. E o confronto dessas cenas com algumas passagens da vida e dos diários do artista evidenciam que a tese do despreparo para fama é, na verdade, bastante frágil; o Kurt ali mostrado era extremamente comprometido com sua arte e queria que a banda tivesse sucesso. Em determinado momento, Kurt escreve, nos primórdios do Nirvana, que a banda deveria ensaiar cinco dias por semana.  Essa contradição com a figura desleixada que aparecia na mídia não é explorada em momento algum de Montage of Heck.

O diretor afirma que não queria fazer um filme que só enaltecesse Kurt, mas os depoimentos de pessoas próximas e familiares apenas reforçam o mito do gênio perturbado. Assim como as dolorosas cenas em que ele aparece drogado e ausente.

Dos diários de Cobain foram extraídos desenhos e frases que, em forma de animação, ilustram boa parte do filme. Um belo recurso, mas meramente ilustrativo, o que é uma pena, porque são uma fonte riquíssima de insights sobre o cantor. Ele parece ter uma fixação pela vida intrauterina: um de seus desenhos mostra um cavalo marinho, com a anotação de que é o macho que dá à luz os filhotes; em outro, um bebê ainda não nascido dá um chute que ultrapassa a barriga da mãe e estoura os miolos do pai. Um campo fértil de análise que foi infelizmente desperdiçado no roteiro.

É realmente decepcionante que o primeiro, talvez único diretor a ter acesso a um material tão pessoal tenha produzido um filme tão raso; mas talvez por isso mesmo tenha acontecido, já que a produção não compromete ninguém, nem mesmo a figura que muitos fãs amam odiar, Courtney Love (quase irreconhecível nos depoimentos). Courtney é vista sempre pelos olhos de Kurt, em cenas íntimas, familiares, amorosas, embora em muitos momentos os dois pareçam completamente loucos.

Buzz Osborne, vocalista dos Melvins – banda da qual Kurt era fã e foi roadie por um período, mas isso não é sequer mencionado no filme – afirmou em entrevista que a maior parte de Montage of Heck é mentira. Talvez ele tenha sido muito drástico, e é fato que nenhum documentário poderia alcançar 100% de verdade porque tudo depende do recorte que se faz dos fatos. Mas é uma pena que o recorte de Brett Morgen não tenha jogado muita luz sobre a figura de Cobain; não mais do que os holofotes dos palcos e das mídias fizeram enquanto ele era vivo.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.