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A invasão dos Robôs Punks

Eles não são personagens de nenhuma série japonesa, mas são hoje os robôs mais cultuados do planeta muito além do mundo da música. O que aconteceu com o mundo duas décadas após o lançamento de Homework, disco de estreia da dupla francesa Daft Punk, para que isso acontecesse?

Não é necessário nem ao menos conhecer um pouco de música eletrônica. Basta olhar a silhueta dos capacetes de Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo para associar rapidamente ao nome do Daft Punk. Hoje muito mais uma grife do que necessariamente um fenômeno da música eletrônica, a dupla francesa celebra duas décadas de seu primeiro álbum, Homework, trabalho lançado em 1997 e fundamental para tudo o que se seguiu em sua já longínqua história.

Nascido no auge daquela que pode ser considerada a primeira geração dos Superstar DJs, termo que praticamente definiu toda a década de 90 em meio à ascensão de artistas como Chemical Brothers, Faithless e Basement Jaxx, o Daft Punk nasceu na contramão de tudo que inspirou essa cena. Apostando no resgate da até então falida house music, rejuvenesceu o gênero e colocou no mapa a elegância da música eletrônica francesa ou, para quem acompanhou mais de perto, a essência da chamada French Touch.

O sucesso de Homework pode ser medido pela força que seus singles tiveram no mercado americano, em especial as ótimas Around the World e Da Funk, mas sua condição é de que cada uma de suas faixas sintetizaram tudo o que já vinha acontecendo na Europa anos antes. 

Conhecida como Eurodisco, a cena eletrônica que entrava em ebulição naquele momento resgatava essencialmente elementos da disco music europeia e vez por outra chamava a atenção dos charts americanos com nomes como Cerrone, por exmeplo. Nada tão expressivo perto da música que dominou Chicago ainda na década de 80, mas suficiente para inspirar uma geração de artistas franceses que buscavam redefinir o conceito de house music no continente. E o Daft Punk conseguiu.

Talvez o mais rockeiro de todos os nomes mais populares da música eletrônica, Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo já se conheciam do período de escola e chegaram a formar uma banda de rock chamada Darlin. Mesmo sem nenhuma expressão, o grupo ainda teve a oportunidade de excursionar com o icônico grupo de sinthpop inglês do Stereolab.

Foram apenas quatro shows, mas houve tempo de receber uma crítica do Melody Maker onde foi apelidada de “grupo de Punks Robôs”, ou em inglês… Daft Punks.

 A crítica sepultou o Darlin, mas sua dissolução talvez tenha sido o mais benéfico para a música, dado que enquanto Thomas e Guy viriam a formar o Daft Punk, outro integrante do grupo,  o guitarrista Laurent Brancowitz, seguiria investindo no rock e formaria outro grupo bastante popular nos últimos anos, o Phoenix.

A aproximação de vertentes como o rock, a disco e o funk logo passaram a servir de mote para o que viria a se tornar o álbum Homework. Depois de ter seu primeiro single – a faixa Alive – apreciada pela Soma Quality Recordings, o duo se preparava para finalmente gravar seu primeiro disco.

No meio do caminho um detalhe curioso é que um dos primeiros fãs da dupla foram nada menos que os integrantes do seminal duo inglês do Chemical Brothers, que passaram a executar a faixa do Daft Punk em seus sets. O convite para ir ao Reino Unido rendeu um contrato com a Virgin Records e as totais condições pra trabalhar no álbum de estreia dos franceses.

O primeiro single do disco foi Da Funk, que trazia como lado B a faixa Musique, que não chegou a entrar no álbum lançado um ano depois. Curiosamente o single vendeu tanto e proporcionou que uma faixa nunca lançada em discos oficiais do Daft Punk acabasse sendo mais vendida que o disco de estreia da dupla.

E Homework chegou ao mercado em 1997. Com ele existe uma atmosfera puramente rock and roll. Um questionamento contra o governo francês frente ao crescente surgimento de raves, homenagens às rádios de rock americanas e uma gama considerável samples de clássicos do soul e do funk americano. Tudo permeado por sintetizadores e moduladores que se tornariam a marca registrada da dupla.

Ao vivo os franceses também faziam de seu trabalho um registro orgânico o suficiente para caminhar ao lado de nomes como Kraftwerk e Orbital, com quem chegaram a excursionar em alguns momentos. Repleto de equipamentos no palco, transitou entre gêneros e abriu de vez as portas da música francesa. Um bom exemplo disso é o formato com o qual o Air se apresenta até hoje, reforçando a condição de gênero tão único que a French Touch conseguiu nos anos seguintes com nomes como o Cassius, The Superman Lovers e muitos outros.

A partir daí veio a consagração com o álbum Discovery, a parceria com a gigante japonesa Toei Animation para a produção da animação Interstella 5555 e toda história que já conhecemos.

Hoje um fenômeno capaz de assombrar a já decadente EDM, o Daft Punk se provou ao longo da história – especialmente em seu retorno com o álbum Random Access Memories, em 2103 – estar muito a frente de seu tempo, mas tudo nasceu em Homework. Talvez até mesmo antes dele.  

Ao estourar para o mundo e abrir as cortinas da French Touch, o Daft Punk revelou um cenário que, assim como muitos outros mundo afora, ferveu no período de transição entre gerações musicais, mas que precisava de um gatilho para ser revelado. E com base nisso entende-se o tamanho da importância do disco de estreia da dupla francesa.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.