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Derrick May e o techno a frente de seu tempo

Pioneiro do techno, Derrick May retorna ao Brasil para mostrar porque o ritmo que move Detroit segue até hoje ditando as regras na música eletrônica tendo a frente uma mensagem muito além do que se ouve.

Quando o relógio bater 0h no próximo sábado, dia 30 de março, a estrutura da Fabriketa, espaço de eventos criado a partir de uma fábrica desativada na região central de São Paulo, voltará a pulsar novamente. Vindo de Belleville, próximo ao coração de Detroit, a Motor City americana, Derrick May trará ao Brasil seu set com o passado e o futuro do techno, uma experiência para os fãs de música eletrônica comparável para os fãs do gênero como a presença de um rockstar como Paul McCartney no palco, que por sinal também escreveu mais um capítulo de sua história no Brasil nessa mesma semana.

Aliás, a analogia com Paul McCartney calha com o timing da vinda de Derrick May ao Brasil. Pioneiro e um dos mais importantes nomes de sua vertente musical – tal qual o ex-Beatle, é simplesmente impossível pensar no techno sem reverenciar o DJ americano, que ao lado de Juan Atkins e Kevin Saunderson pavimentou a estrada do gênero ainda no início dos anos 80, quando formou o The Belleville Three.

E pensar no techno do início dos anos 80 vai muito além da engraçada comparação que Derrick May chegou a dar para a música do trio, quando disse estar diante de um “George Clinton (lenda do funk americano) preso no elevador com os alemães do Kraftwerk”. O que moveu as correntes do techno foi justamente a questão racial/social de Detroit, uma cidade notavelmente industrial repleta de montadoras de automóveis e onde o problema se mostrava evidente demais para ser ignorado. O funk de Bootsy Collins, a história dos Panteras Negras, o experimentalismo de grupos como o japonês Yellow Magic Orchestra e os alemães do Kraftwerk. Tudo isso se liga de alguma forma na quebra de paradigma que fez de Detroit o polo central do techno, como seria conhecido posteriormente.

Disposto a experimentar ao lado de Atkins e Kevin Saunderson, Derrick May passou a acelerar as tradicionais batidas de house music – que por sua vez bebeu da disco music dos anos 70 – para criar uma música diferente, que atingisse um nível de concentração maior e não fosse somente entretenimento.

Conforme definiu o escritor americano Alvin Toffler nos anos 80, a proposta do techno de Detroit naquele momento era tirar das pessoas a ideia de programação, processo tão adotado na indústria automotiva. Era oferecer novos caminhos frente a um comportamento / padrão de dança pré-definido durante até o fim dos anos 70. Olhando para as pistas de dança, estávamos diante do fim da era dos “passinhos” da discoteca.

Essa versatilidade dava à música de Derrick May a condição de algo único e imprevisível, totalmente fora da curva naquele momento da história. A explosão nos guetos, a aclamação por produtores como Frankie Knuckles, considerado o pai da house music, fez com que os integrantes da The Belleville Three logo fossem destaque muito além dos muros da cidade. Posteriormente aconteceria invasão do techno ao território britânico, alçando Derrick May, Juan Atkins e Kevin Saunderson a um novo patamar, assim a cena de Detroit. Já na reta final da década de 80 foi das mãos de May que nasceram clássicos como Nude Photo e Strings of Life, faixas aclamadas até hoje em seus sets.

De música para dançar, o techno de Detroit logo se transformou em um agente de mudança e conscientização na cidade. Era através de festas realizadas na cidade que se tinha acesso a fanzines que mostravam a importância da união na comunidade de afro-americanos de classe baixa e sua busca contínua por melhorias.

Na mesma época fenômenos como Jeff Mills e o coletivo Undeground Resistance também deram as caras em Detroit e o que parecia ser uma onda de experimentalismo passageira logo mudaria os rumos da música eletrônica. Ignorados pelas gravadoras em um primeiro momento, a música de Derrick May e tantos outros logo ganharia o mundo, dando a condição de seus protagonistas abrirem seus próprios selos para abrir espaço para outros nomes do gênero. Carl Craig e Stacey Pullen que o digam. Hoje nomes clássicos, ambos foram projetados a partir da esteira que fazia de Derrick um pilar absoluto do techno.

O reconhecimento ainda levaria a música do DJ americano a outras plataformas, caso dos games, quando produziu a trilha de Tekken, tradicional jogo de luta. Também seguiu incentivando toda cena local de Detroit, fazendo a curadoria de eventos onde apresentou ao mundo dezenas de novos DJs. Essa responsabilidade passaria a ser conduzida nos últimos anos por muitos dos nomes que foram descobertos nesses eventos, estabelecendo a extensão de um legado iniciado ainda nos anos 80.

Hoje um DJ veterano, Derrick May segue excursionando pelo mundo como referencia de gênero que novamente volta a gozar de uma popularidade digna de seus tempos áureos. E mesmo que não tenha a projeção de Paul McCartney, não há como desassociar sua imagem da vertente da música eletrônica mais popular do planeta nos últimos anos Quando pisar em São Paulo no próximo sábado, o público terá a certeza de estar diante de quem promoveu um verdadeiro zeitgeist na música eletrônica, tal qual o eterno Beatle nos anos 60 com o rock.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.