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Dynamo e quando o rock inglês salvou o Soda Stereo

Lançado há 30 anos, o sexto álbum de inéditas do colossal Soda Stereo salvou não só a banda de sua extinção, mas redefiniu a estética de tudo o que a orbitava, dando um novo rumo para o gênero que a levou ao status de lenda em todo um continente.

Uma parte do público já tinha essa ideia, mas quem assistiu ao bom documentário Rompan Todo no Netflix certamente se surpreendeu com o tamanho grupo Soda Stereo, maior nome do rock argentino nas últimas décadas. Ainda que não seja tão profundo acerca de cada nome citado (até porque não há tempo possível para isso), é extremamente importante compreender os caminhos que conduziram a música sul-americana desde a realização do seminal festival Hasta que se ponga el sol, de 1973, chamado até hoje de Woodstock Latino. E falar de rock em nosso continente é falar de Soda Stereo.

Maior banda do continente e que até hoje espalha seu legado por todos os países, inclusive agora no Brasil, é difícil mensurar até onde poderia chegar o trio formado por Gustavo Cerati, Zeta Bosio e Charly Alberti caso não encerrasse suas atividades em 1997. O retorno para uma turnê de despedida uma década depois dá a dimensão disso, mas essa história poderia ter sido encurtada de forma abrupta no início dos anos 90, justamente quando alcançou sua maior popularidade, com o sucesso de Canción Animal e faixas como De Música Ligera, regravada aqui por Paralamas e Capital Inicial, e Cae el Sol, praticamente um hino extra-oficial de Buenos Aires.

Assim como no rock brasileiro, uma ilha cercada de rock latino por todos os lados, a situação era parecida. A influência do pós-punk do fim dos anos 70 e os ritmos locais garantiram um estrelato ao grupo, mas é fato que uma renovação se fazia mais do que necessária. No caso do Soda Stereo, não era segredo que o trio naquele momento não agüentava mais estar junto. O tamanho que o nome da banda tomou incomodava seus integrantes e era necessário algo novo para que não acabasse. Exaustos com a Gira Animal, turnê de seu álbum de maior sucesso, os integrantes resolveram se distanciar e só voltar a gravar quando tivessem realmente certeza de que fariam algo novo.

O divisor de águas para aconteceu quando Gustavo Cerati viajou para o Reino Unido com o objetivo de se desligar mentalmente da banda. Foi quando teve contato com um dos movimentos que seriam fundamentais para o rock latino nos anos subsequentes, o shoegaze. Lançado em 1991, Loveless, segundo álbum do My Bloody Valentine, foi pilar de um movimento repleto de camadas de guitarras com distorção e samples, uma rota totalmente antagônica ao que vinha fazendo com a banda argentina.

Quando voltou a gravar, a cabeça de Cerati tinha em mente uma influência notória de tudo aquilo que vinha acontecendo no Reino Unido. Elementos de vertentes como shoegaze, noise pop e dream pop foram a base do disco mais soturno da carreira do trio. Basta dar um play em Secuencia Inicial e o público estaria de cara com uma nova banda, mais experimental, pesada e de sonoridade suja. Depois de um sucesso estrondoso com Cancion Animal, o que se via era um ato corajoso que acabou redefinindo a estética do rock argentino.

Dynamo poderia ser também uma coleção de retalhos. Seja da mentalidade, das influências, de faixas esquecidas no passado. Pesado, tudo ali soava novo o suficiente para manter a banda com o prazer de tocar ou decretar seu fim. Por isso, não é necessário dizer o que aconteceu. Com quatro singles poderosos, sendo o primeiro deles a emblemática Primavera 0, o grupo argentino cavou ainda mais fundo o seu lugar na história da música sul-americana.

Rico musicalmente, Dynamo foi muito além das guitarras sujas de Gustavo Cerati, que alternou o baixo com Zeta Bosio, que tocou guitarra em Camaleón. No álbum, instrumentos como tabla e sitar, usados em Sweet sahumerio, e muitos sinterizadores. O Soda Stereo, em seu novo álbum, deformava o pop construído nos anos anteriores.

Ainda que essa ousadia tenha dado sobrevida ao trio argentino, ela não foi realmente longa. Sueño Stereo, outro disco bastante experimental, foi lançado em 1995, dando início à turnê que decretaria o ponto final na história do Soda Stereo, ao menos até a década seguinte. Parte dessa onda criativa de Gustavo Cerati acabaria refletindo em sua discografia solo, bem-sucedida a partir de sua estreia, com Amor Amarillo, lançado um ano depois de Dynamo.

De fato, o legado desse disco se dá muito mais pelas bandas que surgiram depois do que propriamente seu repertório, que cede pouco ao projeto Gracias Totales, hoje celebrando a obra do trio. Um dos maiores grupos do rock mexicano, o Zoé já declarou por vezes ter o rock dos argentinos como principal influência. Seu último álbum, Zelur, lançado em 2021, é definido pelo vocalista como “uma mistura de Soda com The Cure”, uma tentativa de mudar a forma de fazer música do grupo, hoje com vinte anos de trajetória.

Penúltimo álbum de inéditas do Soda Stereo, Dynamo é surpreendente e um ponto fora da curva na discografia do grupo, repleto de influências de bandas como My Bloody Valentine, Lush, Ride, Primal Scream e Spiritualized, que deram aos argentinos o prazer de curtir seu auge quando decidiu que seu próximo passo seria retomar o prazer em fazer música.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.