Entrevista

Entrevista AMARO FREITAS

Quem pensa em Amaro Freitas sabe que não deve pensar somente em jazz. É necessário pensar em frevo, música clássica, samba e tudo o que desejar.Seu primeiro álbum, Sangue Negro, é uma amostra dos caminhos que o refinado jazz feito no Brasil vai muito além das influências americanas.

Nascido em 1991, o recifense Amaro Freitas é graduado em Produção Fonográfica e trilha carreira como pianista, tecladista, compositor, arranjador e diretor musical. Com a música instrumental, ocupou espaços como Teatro BNDES, Conservatório Pernambucano de Música, Paço do Frevo e Festival MIMO 2016.Com influências que vão de Chick Corea e Gonzalo Rubalcaba a Thelonious Monk, John Coltrane e Miles Davis, o músico rende-se ao calor de frevos, xotes e maracatus em seu disco de estreia, aclamado em 2016 como um dos melhores do ano pela crítica especializada.

De passagem por SP, onde se apresentou no Auditório Ibirapuera, Amaro conversou com o Passagem de Som sobre seu álbum, a paixão pelo jazz e como seus caminhos levaram à produção do sensacional Sangue Negro.

O nascimento de Sangue Negro e sua pluralidade de influências
Amaro Freitas: Eu sempre amei a música instrumental. Quando pequeno (na época com 15 anos) ganhei um DVD de Chick Corea que foi importante nesse processo, era um período em que até então eu só havia tido contato com a música da igreja e isso me fez ter uma grande proximidade com música instrumental e amor à mesma.

Encontrar Jean e Hugo foi uma benção na minha vida, dois caras muito loucos também pela música instrumental. O grupo foi montado para gravar o disco, tivemos uma pré-produção longa para poder dar tempo de deixar as músicas com fluidez. Foram 4 meses, sendo que nos primeiros 3 fazíamos ensaios espaçados, já no último mês eram 3 ensaios por semana.

As músicas de Sangue Negro têm muita fibra de baixo com piano (minha mão esquerda) e tem alguns momentos em que praticamente cada mão no piano caminha ao lado de um músico, sendo a esquerda com Jean e a direita com Hugo. Era algo complexo e não poderia ser diferente para conseguir a sincronização, por isso a pré-produção precisava ser longa, pois não tocávamos juntos antes de Sangue Negro.

O papel do disco físico no jazz
Amaro Freitas: Acredito que o papel do disco físico vem como uma obrigação do artista para entrar no mercado, assim como hoje é necessário todo mundo, no mínimo, ter o segundo grau completo para entrar no mercado de trabalho.

Hoje, com a internet, o mercado do disco modificou demais, mas confesso que já vendi quase mil cópias de uma prensagem de duas mil. A internet é algo novo, não me sinto incomodado escutando música pelas plataformas, apesar de gostar do som em vinil. Acho legal a diversidade, com o vinil para um nicho específico, e outra como a internet possibilitando que a tua música chegue de forma mais rápida e fácil às pessoas. Temos que saber aproveitar muito bem cada viés.

O jazz latino e suas ramificações
Amaro Freitas: Acredito que com a mistura das harmonias Jazzísticas junto com ritmos brasileiros, nós sempre tenhamos conseguido colocar o Brasil no mapa do gênero com a sua própria personalidade, E com renomados nomes já conseguimos nosso espaço no mundo do jazz internacional, muita gente já gravou com brasileiros e já gravou música brasileira.

A grande questão para mim e a manutenção dessa música, sua renovação, desconstrução, a busca por novas possibilidades e a realização de intercâmbios. Temos uma geração de músicos incríveis chegando e é muito importante que essa nova cara e esse novo jeito da música brasileira se propague pelo mundo.

Palcos para jazz
Amaro Freitas: De modo geral São Paulo tem muito mais estrutura do que em qualquer outro lugar do Brasil. O grande lance é que esse gênero tem poucos espaço dentro dos grandes palcos brasileiros e poderíamos ter um circuito mais organizado aqui no Brasil.

Uma outra questão é ver o jazz se tornar música ambiente para quem está em um restaurante… por um lado isso pode ser bom porque é algo que gera mercado e garante trabalho para os músicos, mas por outro lado educa as pessoas de uma forma errada, associando o jazz como música ambiente ou de fundo.

O acesso ao jazz
Amaro Freitas: Acho que tanto o acesso ao Jazz como a seus instrumentos é para poucos e totalmente elitizado. A periferia não tem a oportunidade de escutar essa música ou tocar em um instrumento como piano ou baixo.

O jazz como instrumento social
Amaro Freitas: Acredito que o jazz seja um instrumento social, por isso precisamos também nos posicionar politicamente para aproximação do público com essa música que é cada vez mais de um nicho específico.

Sangue Negro em um mundo de intolerância
Amaro Freitas: Quando eu criei o Sangue Negro pensei principalmente na conexão entre música e a vida. Já busquei deixar claro pelo nome do disco, abrindo um viés para posicionamento e representatividade.

A tecnologia e seu papel no jazz
Amaro Freitas: Acho isso maravilhoso! A exploração pelo novo e a busca constante por isso é o que faz nossa evolução acontecer. A experimentação é importante para o clareamento da mente e esclarecimento de nós mesmos.

Futuro
Amaro Freitas: Venho com um novo trabalho em breve, mais profundo e que retrata bem esse meu momento com a música. Um projeto mais longo e diferente do que é o Sangue Negro, sempre mantendo meu sotaque no piano.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.