Eles foram seis e agora são quatro. Sofia Vaz (voz, teclados e guitarra), Gabriel Vaz (voz, bateria e guitarra), Felipe Pacheco Ventura (guitarra e violino) e Cairê Rego (baixo) dão forma ao Baleia, uma das bandas daquela que pode ser considerada a “nova” – mas não tão nova – safra do rock nacional, se é que podemos chamar exatamente de rock. São elementos de noise rock que se fundem ao jazz e ao pop em composições de profundidade única. Uma banda, sem dúvida, fora da curva e que deve ser celebrada.
Com uma discografia elogiável, que é composta pelos bons Atlas e Quebra Azul, o grupo carioca lançou nos últimos meses o primeiro capítulo daquele que será seu novo lançamento, um “disco vivo”, como foi definido. Lançado em forma de EPs, Coração Fantasma é parte de um todo, mas tem vida própria. Um caminho exótico para uma banda que é exótica sem a menor questão de soar como tal. Tamanha ousadia, claro, levou o grupo a ser escalado como uma das atrações do renomadíssimo Festival Rec-Beat, que acontece em Recife durante o Carnaval.
E com tantas novidades na manga, foi uma honra para o Passagem de Som conversar com Gabriel Vaz sobre a participação da banda no evento, o lançamento de Coração Fantasma e tudo o que cerca a nova fase do Baleia!
A apresentação no Rec-Beat 2019
Gabriel Vaz: É
certamente uma honra. Esperamos bastante tempo por esse convite e
estamos muito felizes. Queremos fazer o melhor show possível e vai ser
lindo reencontrar o público recifense nessa época tão importante e
inspiradora que é o carnaval daí. Nunca fomos pro carnaval de Recife e
não fazemos um show na cidade desde 2016, então posso dizer que estamos
bem animado!
A identidade musical e prateleira do Baleia
Gabriel Vaz:
Eu não tenho mais pensado muito sobre isso. Eu acho que hoje o mundo e a
cena musical estão tão plurais que talvez estejamos relaxando com essa
necessidade de encontrar o rótulo certo pros artistas. “Indie” é um
termo que nunca disse muito, ao meu ver. Mas quando nos chamam de banda
indie não é como se estivessem dando uma informação errada. É um termo
que significava “independente” e que agora significa qualquer som que
soe menos padronizado pelos interesses do mercado, mesmo que ainda seja
bastante comercial. Acho que no fim, a gente nunca se sentiu prejudicado
pelas tentativas de sintetizarem o nosso estilo musical e acho que o
efeito que isso causa na carreira de um artista é muito menor do que a
“polemização” dessa questão nas discussões, saca? Mas rende uma boa
conversa de bar, sem dúvida, porque tem várias camadas.
A maturação da música brasileira ao longo dos últimos anos
Gabriel Vaz:
Nunca tive tanto otimismo com o cenário musical brasileiro. Ao meu ver,
a gente vivia uma sedimentação absurda do cenário, com alguns poucos
artistas conseguindo crescer fazendo algo bom. De 10 anos pra cá, com a
expansão e popularização da internet, algo começou a mudar. E agora,
finalmente estão se quebrando os muros velhos e engessados – que há
muito foram construídos e há muito estavam sendo mantidos – e sinto que o
país está fértil para a possibilidade de uma inteira nova geração de
música brasileira. E o mais importante, está finalmente nascendo o
mercado médio no meio musical brasileiro.
Antes, era uma realidade 8 ou 80. Como artista, você começava pequeno e logo depois alcançava um limite, como um teto. Dali, ou você tinha que dar sorte e ser catapultado pra fama ou você ficava rodando lá embaixo até desistir. Agora, parece ser mais fácil ir crescendo aos poucos e continuamente, o que é essencial pra qualquer artista que queira fazer música com mais liberdade – e que certamente não vai explodir de um dia pra outro com uma música na novela.
O processo de lançamento do EP Coração Fantasma
Gabriel Vaz:
O que estamos fazendo, na prática, é romper com uma dinâmica que já não
faz muito sentido pra gente. A ideia de lançar um álbum de mais ou
menos 12 faixas foi normatizada porque era o quanto cabia num LP ou CD
e, na hora de vender, quanto mais, melhor, independente da qualidade.
Hoje, o jeito que as pessoas consomem música mudou completamente, o mercado mudou completamente. Então, decidimos fazer um experimento. Unir o útil ao agradável. Um projeto que esteja mais de acordo com a natureza, velocidade e dinâmica dos tempos, ao mesmo tempo em que se apropria disso poeticamente. Por isso, o “disco vivo”. Queremos que ele seja, no máximo de dimensões possíveis, um reflexo desses tempos. Isso vai desde a composição até a comercialização, passando pelas apresentações ao vivo, pelas parcerias etc. Ele é fluido e não sabemos qual será o resultado final. Mas será um resultado final sólido como um disco tradicional de 10, 12 faixas. Então, ao fim, agradará aos tradicionalistas também (risos).
A sonoridade do Baleia e o dinamismo das plataformas de streaming
Gabriel Vaz:
Considero o Baleia tão experimental quanto pop. E devo dizer que eu
mesmo me sinto afetado pelo dinamismo e fragmentação do modo de vida que
estamos vivendo. Estou conseguindo me concentrar menos tempo em um
único álbum. É um momento único que estamos vivendo, não podemos nos
render, mas também não podemos combatê-lo. Acredito que, num futuro não
tão distante, vamos redescobrir a calma e a contemplação (risos).
Imagino
que será uma reação instintiva de sobrevivência da sociedade. Por ora,
como fazer música popular instigante e/ou contemplativa nos tempos de
hoje? Acho que essa é a pergunta que devemos nutrir e onde devemos
colocar energia. O Baleia está se fazendo essa pergunta nesse novo
disco. Na verdade essa é a pergunta que está no coração da banda, desde o
início. Mas, nesse último trabalho, estamos querendo explorar canções
mais dinâmicas e diretas, tentando conservar ao máximo nossas
idiossincrasias.
A música como resistência em tempos de conservadorismo
Gabriel Vaz:
Eu penso que fazer arte é ser resistência, sim. Fazer qualquer coisa
que contribua para nos aprofundarmos na natureza humana e enriqueça a
experiência de estar vivo é resistência.
Não existe nada mais importante que isso. E quem acha que política e esporte, política e arte não devem se misturar, não entendeu nada. É, no mínimo, um reacionário. Tudo já está misturado. Tudo está sob a luz da política. Nada escapa.
Há sempre política por trás de qualquer coisa, influenciando, ditando as regras, seja ela boa ou má, branda ou direta. Mas quando inverte-se a direção, e o esporte tenta dizer algo à política, a família tradicional pira. É ridículo. A situação presente do país nos afeta muito. Afeta nossas vidas pessoais, nossa saúde mental e de nossos amigos. Geralmente, a “resistência” nas nossas canções tem um viés mais filosófico ou existencial, porque é aí que sentimos que temos mais a contribuir. Até porque o Baleia é uma banda de pessoas brancas, heterossexuais e de classe média. Há artistas incríveis com discurso político e representatividade muito mais urgentes e sólidos que o nosso possa ter.
A experiência de mostrar por dentro a produção de um disco nas mídias sociais
Gabriel Vaz:
Só posso falar pela nossa experiência e devo dizer que nossos fãs são
muito fodas, generosos, engraçados e nos dão muita força e energia –
nossa, parece propaganda do Nescau – mas sério, nunca sentimos nenhum
perigo ou desconforto vindo dessa cada vez maior aproximação com o
público.
A necessidade do disco físico
Gabriel Vaz:
Partindo do ponto de vista que não precisamos mais da mídia física pra
escutar discos, eu diria que, pro artista, é uma oportunidade de
explorar a fisicalidade da sua obra.
Pegar uma experiência musical e dar cor, forma, textura, cheiro, o que quiser. E claro, ganhar um dinheirinho extra. Pra mim, não tem sentido mais fazer disco físico se não for um objeto que seja bonito ou interessante, que de alguma forma complemente a experiência do disco. Mas devo admitir que acho o vinil a única mídia ainda relevante, pela qualidade específica do seu som, pelo apelo da capa e encarte grandes que fazem a arte gráfica ganhar mais importância e pelo ritualismo em geral que é colocar um disco na vitrola, deixar rolar, apreciar o álbum como um todo, não ficar pulando as faixas.
As mudanças estruturais do Baleia
Gabriel Vaz:
Sim, o Baleia passou de um sexteto para um quarteto – isso depois de
quase terminarmos a banda. Mas, como toda grande crise é uma
oportunidade de evoluir para melhor, viramos tudo de cabeça pra baixo,
reformulamos nossa formação, nosso show, nossa abordagem das músicas,
tudo. E agora, posso dizer com toda convicção que essa é a melhor
formação que já tivemos e o nosso show nunca esteve tão bem resolvido e
potente. E as músicas novas estão muito prazerosas de tocar ao vivo.
Daqui pra frente
Gabriel Vaz:
Quando chegarmos no último capítulo, acho que a própria banda vai
sentir o impacto de um trabalho completo. A gente não sabe onde ele vai
chegar ou qual a sua identidade no nível macro. É como se fôssemos
roteiristas de uma minissérie e estivéssemos nos deixando levar pela
história sem saber a conclusão. Deixando a própria história ir nos
influenciando de volta.
É um experimento, uma proposta que, antes de mais nada, vai abrir novos caminhos, criativos ou práticos, algo que a gente faz questão de nunca abrir mão: lutar por um estado de presença, não se acomodar, ter entusiasmo com todas as dimensões do nosso trabalho.