Sala Especial

Entrevista ISCA DE POLÍCIA

Fiel parceira durante a carreira de um dos maiores artistas que o Brasil já viu, Itamar Assumpção, a banda Isca de Polícia lançou em 2017 um disco que marca seu novo momento, o ótimo Volume 1.

Sem Itamar, falecido em 2003, o Isca conseguiu manter a linguagem e sonoridade inovador da década de 80 e segue esbanjando vitalidade em um trabalho que trouxe para perto da banda nomes expressivos (e fãs) da atualidade.

Para se ter ideia, colaboraram com Volume 1 nomes como Zélia Duncan, Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé, Tom Zé, Chico César, Péricles Cavalcanti, Alice Ruiz e Zeca Baleiro, o que, obviamente, acabará resultando em um Volume 2, posteriormente.

Com show agendado no Auditório Ibirapuera, o grupo encontrou tempo para conversar com o Passagem de Som sobre o lançamento do disco, Itamar Assumpção, política e muito mais em uma ótima entrevista.

A produção de um novo disco
Luiz Chagas: Do lado pessoal o(s) nosso(s) disco(s) seguiu(seguiram) um caminho natural. Temas novos que exigem arranjos novos, que pedem disposição para gravar, era assim quando o itamar estava aqui.

Os novos formatos de criação e distribuição só serviram como incentivo para nós, burros velhos do trabalho braçal, levado às pessoas através de mídias ultrapassadas. Poderia ser um desafio, mas o “moderno” para nós é atrativo.

O legado
Luiz Chagas: Somos um produto atípico daquela época, uma vez que nunca fizemos sucesso e nem paramos de tocar – como se diz corporativamente, ‘o grupo não sofreu solução de continuidade”.

Nós continuamos sendo novos porque o som do Itamar não foi massificado, ou seja, absorvido pelo sistema na época de sua criação. Assim não é uma questão de soar como novo na música que fazemos hoje, nós somos novos mesmo, não fomos consumidos no passado. Não somos nenhuma prova de que tudo o que foi feito lá naquelas décadas rendeu frutos porque não estamos fazendo revival de nada (exceto para nossos fãs, poucos e fidelíssimos, é claro).

Ser admirado pelas novas gerações é uma honra, um incentivo e uma prova de reconhecimento puro e simples. Não se trata de um reconhecimento tardio porque sempre fomos reconhecidos pelas pessoas certas. É o número delas é que está aumentando.

O novo álbum, Volume 1
Luiz Chagas: Como havia dito antes, nós não só NÃO voltamos como o disco novo não retoma nada, é apenas um novo passo, a Isca de Polícia sem o Itamar.

A noção de politicamente incorreto não existia e soa pueril diante da realidade de uma proibição seguida de punição. E quem sabe até mesmo a aniquilação que era o nosso dia a dia. Não era a ditadura que nos movia e não é o golpe que nos move. Essas coisas não movem ninguém, apenas atrapalham.

O “retorno” do Isca de Polícia e o novo público
Luiz Chagas: É uma confusão natural achar que o Isca de Polícia voltou. O Itamar (Assumpção) foi um artista que tocou até morrer, em 2003. Tocamos em tributos, muitas vezes por nós mesmos, para o nosso bem. E começamos a ser chamados para shows.

Em 2003 o gigante se foi e lá fomos nós para mais tributos e shows. Não sei o porquê, mas não houve a tal “solução de continuidade”. A gente nunca discutiu se ia parar ou continuar. E algo como “vamos tocar? Vamos!”.

Desde que o Itamar se foi sempre foi assim. Parece brincadeira, mas a gente toca para mais gente hoje do que na “nossa” época. Pensa bem, éramos ovacionados no teatro do Lira Paulistana e no Teatro da Funarte. Somados os auditórios mal chega-se a 500 lugares. Sabe quantas pessoas tem em um Rec Beat?

Eu concordo que o cenário musical hoje é inóspito. mas para o artista contemporâneo. A gente é vintage. Ou velho, sei lá. Temos um tratamento respeitoso a maior parte do tempo. Sei que levo sustos do tipo ouvir do guitarrista da Liniker que “te ouvi tocar com seis anos, meu pai me levou para ver o Itamar”. Isso é louco!

A importância dos grandes canais de comunicação na atualidade
Luiz Chagas: A função dos grandes veículos de comunicação é veicular a música de massa das gravadoras. Aquela porcariada toda. O digital mantém a música viva, mas à sua própria maneira. Dizer “promoção de um álbum” é algo arcaico hoje em dia.

Quem escapa dos grandes veículos ouve o que quer e não quer álbuns, pelo menos à princípio. Como diz Tulipa (Ruiz), o streaming é um primeiro flerte, o namoro. Gostou? Faça o download, compre o CD, entre no site e vá ao show. É progressivo.

A massificação do entretenimento
Luiz Chagas: Isso é uma questão cultural básica. Veja o Rock in Rio, que anuncia como atrações principais o Who, Guns N Roses e Bon Jovi. Para qualquer pessoa normal isso é um absurdo. Nomes antigos de um gênero antigo. Paul McCartney… U2. Para quem sustenta um sistema de vida antigo é perfeito e é antigo, mas a realidade é que não há emprego, não há cartão premium.

A juventude fora desse guarda-chuva citado sequer assiste a esses comerciais. Se você é um artista que está no mesmo patamar do internacionais como Ivete Sangalo versus Rihanna ou Luan Santana versus Justin Timberlake, tudo bem, isso pode afetar, mas esses brasileiros não representam o Brasil no sentido de um Brasil amarrado a uma série de contingencias sóciocorporativas.

Pare pra pensar… quanta gente não pôde assistir aos primeiros rock in rio e hoje depois de trabalhar muito estão fazendo crediário para levar os filhos? E pior ainda, para ver as mesmas coisas? ARRRGH!!!

A influência dos tempos de ditadura nas manifestações artísticas
Luiz Chagas: Existe uma diferença básica quando o assunto é criação. Apesar de termos vivido uma realidade de chumbo, o ambiente também era polarizado. Nós contra eles. Hoje são todos contra todos!

Os anos 1980 foram muito chatos porque, olhando de longe, todo mundo trabalhava com bula, roupa de palco, maquiagem. Hoje em dia tudo parece muito mais os anos 1960. Arte, coragem e potencial. Se você não entendeu, eu gostaria de deixar claro que quando trabalhamos, nos anos 1980, a maioria de nós tinha perto de 30 anos, ou seja, estávamos deslocados.

Identidade
Luiz Chagas: Quando a gente apareceu o tropicalismo havia completado 15 anos de seu surgimento e, consequentemente, desaparecimento. Seu legado foi o mix, a valorização do que era bom no passado e nosso perfil como povo maravilhoso e cafona a um só tempo. Se hoje não temos estereótipos, se as novas gerações e o novo público não tem estereótipos, devemos tudo àquele pessoal lá dos anos 1960.

Eu me identifico com o público que nos assiste e esse negócio de não nos prendermos a uma coisa só é notada por gringos. Conversei com vários de vários países e eles acham nosso trabalho novo.

A boa recepção com o novo disco e o futuro
Luiz Chagas: Obrigado a todos pela recepção. Espera-se que tenhamos saúde para continuar.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.