Entrevista

Entrevista RUMBORA

Quando o Rumbora anunciou sua volta, poucos meses atrás para dois shows esgotados no SESC 24 de maio e que logo se tornariam três, não há quem não se empolgasse. Uma das bandas mais carismáticas do fim dos anos 90. O grupo construiu em pouco tempo uma quantidade considerável de hits e desde então ganhou o coração dos fãs.

Com o novo século veio uma nova realidade, um zeitgeist em toda a indústria musical que acabou fazendo suas vítimas e o Rumbora foi uma delas. Nesse momento novas vertentes surgiam, o público se renovava e o próprio rock se teve que se reconstruir. Alf saiu em carreira solo e sempre seguiu firme na cena, mas o nome da banda nunca foi esquecido. 

Veio o retorno. Ao lado de Beto, com quem formou a banda, e Iuri, que já acompanhava o vocalista/guitarrista na carreira solo, a banda promoveu uma dose de histeria que há tempos não se via. E aí não parou mais. Ou melhor, parou, mas para falar com o Passagem de Som nessa ótima entrevista com Alf Sá.

A volta do Rumbora
Alf Sá: Tem sido emocionante. Ver depois de tanto tempo como nossa música continua tocando as pessoas é muito gratificante. A música tem um poder inestimável. Fãs que não se falavam há anos se reaproximaram com essa história. É incrível. Do Rumbora hoje pode se esperar um show massa com uma energia foda. O momento é de reconexão.

O rock duas décadas depois do surgimento do Rumbora
Alf Sá: Eu vejo muita banda tocando e se dedicando pelo país todo. De todo tipo. Dando show, gravando. Na raça. Gosto muito de uma banda de Piracicaba chamada Yamasasi, do trampo solo do Chuck (Forgotten Boys, Vespas Mandarinas), da nova fase da Deb & The Mentals com músicas em português, Blastfemme do Rio, Terno-Rei, Ypu… E vejo muito rock no Baiana System e vários artistas de rap. A música vai naturalmente se transformando.

Uma nova realidade, sem o disco físico como prioridade
Alf Sá: É comum se dizer hoje em dia que álbum físico virou uma espécie de cartão de visita, um souvenir para ser entregue à pessoas do meio como contratantes, jornalistas, etc, mas é inegável que a questão do toque resulta em uma experiência muito mais íntima e calorosa. Por outro lado, o fato de não termos mais a necessidade de tanta coisa em formato físico facilita na questão de espaço, praticidade e ecologicamente é mais sensato. Uma coleção grande de CDs, vinis e cassetes é um acúmulo de plástico cabuloso.

A mídia musical hoje
Alf Sá: O papel dos grandes canais hoje é basicamente o mesmo comparado ao passado, no sentido de que em larga escala continuam determinando um sucesso popular. Daqueles que todas as pessoas conhecem, que tocam no supermercado, etc.

A diferença é que se tornou um meio cada vez menos heterogêneo. Já no underground, a possibilidade de tanta gente falar sobre música é ótima quando esse espaço é usado por alguém que tem algo a dizer e que realmente se dedica a conhecer e acrescentar. É um grande laboratório cheio de possibilidades. O desafio é a visibilidade no meio de tanta informação.

As motivações para se fazer música hoje mudaram?
Alf Sá: Acredito que as motivações para fazer música são as mesmas e dependem de cada um. Sempre existirão os artistas e os carreiristas. O mundo mudou, a tecnologia avançou e com isso a forma de fazer música também muda. O computador é um instrumento artístico poderosíssimo. Você pode fazer tudo nele. Compor, escrever, produzir, gravar, mixar, masterizar, fazer a capa, editar o vídeo, distribuir pras pessoas. Enfim, tudo que você precisar. Em qualquer lugar, a hora que quiser. Inclusive dar show. Isso acarreta em transformação tanto em quem produz quanto em quem consome. É natural querer se expressar com novas linguagens. Minha carreira solo é uma amostra disso. Tem muito som legal rolando. Existe um universo novo de possibilidades. Mas ainda existe muita gente legal fazendo e ouvindo rock. Só não é mais a regra.

O rap como novo rock
Alf Sá: O rap vem conquistando seu espaço merecidamente há décadas. Minha geração cresceu ouvindo os dois. Todos os projetos que me envolvi tem sido influenciado por esse universo.

Antes de tocar em banda participei de grupos de break e tenho muito orgulho de ter sido integrante do Câmbio Negro, uma banda importante desse movimento. Fico feliz demais em ver Djonga, Rincon, Baco, Don L, Flora Matos, Lay e muitos outros fazendo trabalhos incríveis. Uma leva de muita qualidade artística que dialoga com o que está acontecendo com muita propriedade e originalidade.

O rock sempre foi importantíssimo como agente de mudança social. Um estilo muito plural que mistura desde o berço negros, brancos, mulheres, homens, héteros, gays. Trilha de todas as lutas sociais e que se transformou em uma plataforma universal de expressão. É uma música de libertação e feita da forma certa, ao invés da fórmula certa, sempre será.

A demonização do pop existe?
Alf Sá: Essa demonização só existe nos meios conservadores do rock. É esse tipo de pensamento que faz com que o estilo fique preso ao passado e pare de dialogar com as pessoas. Um elitismo burro que só atrapalha. O Nirvana que foi a última grande revolução no rock era altamente pop. É difícil prever algo. Só sei que bandas não param de aparecer todos os dias no mundo inteiro. Acabar não acaba. Nenhuma música acaba. Se transforma.

O mundo da música sem o domínio das grandes gravadoras
Alf Sá: Existem muitas formas de se fazer esse processo e hoje em dia composição, produção e gravação andam juntas. Pra mim é muito prazeroso porque sempre gostei de me envolver no processo inteiro. Sempre tive home-studio e se antes trabalhava em demos, agora já se chega a um trabalho finalizado. As lições são várias, mas uma importante é que não adianta fazer a melhor canção do mundo sem um planejamento e investimento para que as pessoas tenham acesso à ela. É preciso ter um plano pra não desperdiçar um trabalho em potencial.

A internet e o fim do regionalismo musical
Alf Sá: A internet quebrou um pouco esse paradigma de ter que morar nos grandes centros, mas aqui em SP tem aparecido cada vez mais lugares para tocar e isso faz uma grande diferença. Os escritórios das distribuidoras digitais e dos streamings também ficam aqui, blogs importantes, festivais por todo o estado, encontros e seminários da cadeia produtiva… Bandas do Brasil todo passam por SP constantemente e muitas moram por aqui. O contato virtual é ótimo para se iniciar uma conversa e mandar material, mas o olho no olho é essencial. Ainda é um lugar importante para se estar, ao menos por uma parte do ano pra fazer essa troca e em seguida voltar pra suas cidades e reverberar as ideias.

Futuro
Alf Sá: O plano principal é tocar. Rever os amigos. Trocar essa energia. É maravilhoso ver as pessoas cantando as músicas. É o motivo principal e sem dúvida o mais revigorante.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.