Entrevista

Entrevista SURRA

Manter os olhos fixos na cena underground por vezes nos coloca em uma posição privilegiada de acompanhar a ascensão de bandas que ralaram de verdade até passar a atingir uma condição de destaque na carreira. No caso do Surra, banda formada em na litorânea Santos, em SP, ver de perto todo feedback em torno do lançamento de seu novo álbum, Escorrendo pelo Ralo, é  uma experiência das melhores, dando condição de nos fazer ver uma banda madura o suficiente para conduzir a bandeira levantada ao longo de décadas por expoentes da cena punk/metal nacional como Sepultura e Ratos de Porão.

Formado pelo vocalista e guitarrista Leeo Mesquita, o baixista/vocalista Guilherme Elias e o baterista Victor Miranda, o Surra deu um passo decisivo na carreira com um disco que parece ter nascido clássico, esbanjando coragem em letras que caminham em perfeita simetria com a realidade que cerca a banda. Recentemente, ao abrir para o Ratos de Porão em duas noites esgotadas no sagrado SESC Pompeia, o trio sentiu na pele como caiu no gosto do público e que há uma grande expectativa em torno do seu trabalho, já repleto de bons momentos, lançamentos e experiências Brasil afora.

Nesse processo o trio conversou com o Passagem de Som em uma ótima entrevista, esbanjando sinceridade e ciência de que o seu trabalho é a bola da vez!

A produção de “Escorrendo pelo Ralo”
Victor Miranda: Acho que foi diferente dos trabalhos anteriores mais por questões técnicas do que qualquer outra coisa. Nós gravamos o instrumental todo ao vivo, no estúdio Family Mob. Nunca havíamos trabalhado de forma tão profissional. Acho que isso resultou em um disco mais maduro, tanto no som quanto nas ideias. 

Acabamos de voltar de uma turnê pelo Nordeste e as músicas estão sendo muito bem aceitas. Não fazem nem 3 meses que lançamos o disco e já tem gente colada no palco cantando todas as letras. É muito doido isso.

Os desafios de se fazer música extrema em tempos de conservadorismo
Victor Miranda: Não sei se o Heavy Metal está tão conservador assim… Certamente vários setores reacionários saíram da toca, mas a grande massa que curte esse som no Brasil é de esquerda ou, no mínimo, é contra que um evangélico maluco diga o que ele deve fazer ou não. 

Acho que o maior desafio pode vir da repressão institucional mesmo, como já está acontecendo em vários casos. Da polícia impedir a realização de shows, intimidar membros de bandas e até ameaçar a integridade física dos mesmos. São tempos complicados e não podemos esquecer disso, mas temos que aproveitar a visibilidade do palco para aglutinar toda a galera que é contra essa repressão. Somos a maioria.

A importância da mídia física
Guilherme Elias: Acredito que as mídias físicas hoje são mais voltadas para um público que é mais “colecionador”, visto que o grande volume de música que consumimos é via streaming. 

O consumo das artes, letras, agradecimentos e tudo mais que compõe o material físico está mais restrito a quem curte dar esse mergulho mais profundo no conceito do álbum como um todo. Além disso, para nós pessoalmente, lançar um disco de vinil 12 polegadas sempre foi um sonho e estar realizando isso com o Escorrendo pelo Ralo é um marco importante para a banda. Já tínhamos trabalhado com vinil 7 e 10 polegadas anteriormente mas ver o nosso trabalho num “bolachão” é muito gratificante.

A relação do crossover com a cena de heavy metal
Guilherme Elias: Depois de 7 anos de banda acredito que conseguimos um público que entende mais a proposta do Surra, assim como nós. Geralmente quem curte a banda mesmo tendo sua raiz e seus gostos baseados no Hardcore ou Metal tem sempre a cabeça aberta pra outros estilos mais ou menos “extremos”. Essa mistureba de influências que forma o Surra também acaba ocorrendo com a galera que curte nosso som.

A renovação da música pesada no Brasil
Guilherme Elias: Acreditamos totalmente que bandas como Krisiun, Sepultura e Angra, juntamente com o Ratos de Porão, são as referências máximas para som pesado brasileiro tanto dentro quanto fora do país. Em todas as turnês que fizemos fora sempre rolava associação com alguma dessas bandas tanto no som quanto no jeito “brasileiro” de executar as músicas com toda a raiva do mundo. O legado deles é importantíssimo pra todas as bandas que, como nós, estão trilhando os caminhos que eles desbravaram e também fazendo os nossos próprios. 

Acredito que a realidade hoje é totalmente diferente de quando essas bandas começaram, então por mais que tenham definido o alicerce da parada, acredito que quem está chegando agora também tem seu espaço para fazer diferente e se destacar.

A necessidade de ser multimídia em tempos atuais
Victor Miranda: Para nós sempre foi algo meio orgânico e, na maioria das vezes, impulsionado pelo nosso próprio público. Nós não temos assessoria de imprensa e muito menos dinheiro para comprar espaços. Dependemos da boa vontade (ou não) das pessoas. 

Acredito em construir nosso espaço fazendo as nossas coisas do nosso jeito e, com o tempo, a relevância acaba trazendo isso. Quanto mais material e mais gente curtindo, maior o interesse de ouvir o que a gente tem pra falar. Acho que esse crescimento natural vale mais do que qualquer jabá.

O desafio de divulgar um álbum cheio em comparação com EPs e splits
Guilherme Elias: Mesmo o Escorrendo sendo um álbum cheio, tomamos alguns cuidados na divulgação dos sons para atender esse novo jeito das pessoas consumirem música. Soltamos um single da faixa título do álbum, na sequência o EP “Virou Brasil” com 4 sons até, finalmente, a divulgação completa das 17 faixas. 

Acredito que vivemos em uma época de transição no jeito de consumir música, e consequentemente na indústria musical. 

Vejo aspectos positivos e negativos para artistas independentes como o Surra nesse novo cenário. A velocidade que consegue-se produzir e divulgar música é absurdamente rápida, portanto, estamos disputando atenção com muitos outros artistas. O desafio é se manter não só relevante mas constante na produção de material para permanecer na cabeça das pessoas. 

O Surra no front contra a censura
Victor Miranda: Nós estamos dando a cara a tapa em uma época bastante complicada. Acho que agora finalmente as pessoas estão entendendo o tamanho da bronca que é defender certas posições e ideais.

Não sei se somos o front. O front, querendo ou não, já está sendo preso e morto por aí. Só contabilizar o tanto de gente que coordena ocupações e militantes de movimentos como o MST que sofreram arbitrariedades e violências nos últimos meses. É absurdo! 

Claro que temos medo disso respingar na gente, mas vamos para cima. Não vamos deixar de falar o que temos para falar e queremos mais é correr o país inteiro espalhando nossa ideia e tentando juntar o pessoal mais novo para tentar derrubar esse banco de maluco que se apossou do país.

A letra de “Bom Dia Senhor” e o protagonismo deturpado da religião em tempos atuais
Victor Miranda: A religião sempre foi uma desgraça para os brasileiros, desde quando o primeiro padre desembarcou aqui e disse que era justo torturar e matar índios, pois eles não tinham Jesus no coração. 

A religião é um dos principais esconderijos dos canalhas e hipócritas. Infelizmente é algo que temos que lidar.

Futuro
Guilherme Elias: Vamos continuar rodando com a turnê de divulgação e shows de lançamento do Escorrendo pelo Ralo, que passará por todas as regiões do Brasil. 

Vamos também lançar um clipe para a música “Ultraviolência” nos próximos meses.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.