Entrevista

Entrevista: TONINHO HORTA

Uma verdadeira lenda da música brasileira e mundial, Toninho Horta está na incrível escalação do SESC Jazz 2021. Para a ocasião, o violonista e guitarrista mineiro apresenta repertório de músicas inéditas registradas em “Belo Horizonte”, premiado com o Grammy Latino de Melhor Álbum de MPB.

Eleito nos anos 70 como um dos 10 maiores guitarristas do planeta pela Melody Maker, Toninho Horta é mais que alguém que empunha um instrumento, mas um pesquisador apaixonado pelas vertentes musicais que moldaram seu trabalho, uma amálgama entre o jazz e a MPB.

Com apresentação nessa quinta-feira (28) e uma retomada de shows e demais projetos, Toninho Horta encontrou tempo para falar com o Passagem de Som sobre sua carreira, realizações e orgulho da música brasileira.

A música instrumental no Brasil, hoje

Toninho Horta: No Brasil existe uma nova safra muito boa de músicos que trabalham com música instrumental, mas também de cancioneiros. Eu viajo sempre pelo Brasil, ou viajava antes da pandemia, e estou acompanhando muito pela internet. Há gente boa na Bahia, Ceará, Pará, em Manaus, Rio Grande do Sul… em todos os lugares, nas grandes capitais… em Recife nem se fala… o Brasil é muito rico, no geral acho que a música brasileira está em um ótimo momento.

A pluralidade do SESC Jazz

Toninho Horta: O SESC tem uma capacidade incrível de formatar uma programação diversificada e isso é muito importante porque atende a todas as vertentes. Seja do afro-jazz, do afro-samba, da música instrumental em geral e do choro, as grandes canções… essa diversidade é ótima. Além, claro, das músicas mais alternativas, do clássico, do erudito em si. O SESC sabe abranger todo esse leque de cores musicais, temos que tirar o chapéu pela direção, por esse comando, porque faz muito bem ao país, é um exemplo e uma oportunidade para músicos consagrados e iniciantes.

O fato de valorizar a presença da mulher também tem que ser destacada, acho a inclusão de minorias em um line up um exemplo de respeito. Não se deve ter preconceito com nada, com religião, sexo, política etc, cada um tem sua visão, desde que respeite o próximo, o limite do outro. Fico muito feliz de ver tantas mulheres ocupando seu espaço, por acompanhar há tempos como batalham por isso. É um respeito muito profissional ver essa condição igualitária, é algo bom para o país e para o crescimento humano. A tecnologia está avançada, os equipamentos estão avançados, por isso nossa cabeça também tem que estar.

A proximidade do jazz e a MPB

Toninho Horta: Eu nasci na época em que a música brasileira viva aquela que era chamada de Era de Ouro, ali pelos anos 40, o choro em evidência. Eu vim de uma família que respirava música, então havia isso o tempo todo em minha casa, inicialmente o clássico, depois meu irmão Paulinho, 15 anos mais velho e sempre uma referência musical pra mim, que me ensinou os primeiros acordes de guitarra. Paulinho Horta, baixista. E havia um clube de jazz. Desde menino eu ouvia muitas big bands, orquestras… e isso era muito bom.

Para o meu crescimento musical isso foi fundamental. Quando eu comecei a tocar violão isso tudo já estava na minha cabeça. Era mais fácil extrair o que eu tinha na minha HD pessoal e passar para o violão, para as composições etc.

A gente sempre teve uma relação muito carinhosa pela música brasileira, aprendemos a admirá-la como um todo, assim como o jazz americano! O jazz que eu ouvia se tornou uma fonte de inspiração, uma matéria-prima muito bacana pra gente se inspirar e dar mais amplitude ao nosso trabalho.

O brasileiro foi muito influenciado pelo jazz, da época em que as Dixielands (N.E.: subgênero de jazz criado em 1910, em Nova Orleans) influenciavam o Chorinho, depois o samba do Ari Barroso, que chegou a ser trilha de filme lá fora, a Aquarela do Brasil, depois veio o estouro da bossa-nova no Carnegie Hall no início dos anos 60 com aquele show lendário com João Gilberto, Tom Jobin, Herbie Hancock e tanta gente bacana. O Carlos Lyra… Marcos Valle… Nós da bossa-nova bebemos muito da fonte do jazz na nossa música, mas a partir disso começou-se a inverter as coisas, existia uma troca muito maior e equilibrada.

Eles também passaram a ouvir a música brasileira, especialmente a bossa e a música nordestina, com influência do baião. E com a expansão do Clube da Esquina no mundo, eu que já estive nele e já tinha minha linha instrumental definida, acompanhei bem essa evolução, comecei a ver como a música de Minas Gerais exercia uma influência para a música lá de fora. Somos referência para muitos músicos do exterior e eles sabem que fazemos um trabalho diferenciado. Não podemos falar que alguém é melhor que o outro, todos trabalhos são incríveis e tem seus méritos,  mas temos que saber que nossa música tem algo diferenciado, melódico e com harmonias criativas. São ritmos que se misturam, a nossa cultura, tambores e folclore… e hoje posso dizer que a música mineira também influencia o mundo.

A vida em isolamento

Toninho Horta: As alternativas eram várias, mas principalmente organizar formas de divulgação em redes sociais. Esse período foi muito legal para isso, de aprendizado. De aprender a fazer o próprio vídeo, uma foto bacana, um trabalho interessante porque ali estávamos sozinhos, tínhamos que aprender. Essas lives ajudaram demais muita gente a não perder o contato com o público e tudo isso vai continuar, seremos os mesmos, nossa essência; e agora seremos mais fortes, com a nossa resistência e amor à música, de apresentar nosso trabalho sempre que tivermos a oportunidade. É algo realmente motivador fazer isso. E com a reabertura isso vai aumentar ainda mais.

A presença do streaming

Toninho Horta: É o canal maior de divulgação. Temos que estar alinhados com nossos distribuidores, com os catálogos atualizados para que a gente possa no futuro ter um retorno para todos. Porque, obviamente, só os mais comerciais, que tem mais força especialmente na internet e tem uma equipe para isso para cuidar, vão colher o retorno rapidamente. O artista independente vai levar tempo, mas isso não deixa de ser importante.

Temos que acreditar na nossa obra e que a qualidade via prevalecer, uma música descartável pode vender muito hoje, mas logo desaparecer e ninguém se lembrar. A música de qualidade é eterna e atemporal. E se ela for divulgada, seja digital, presencial ou física, através do vinil, a resistência da boa música é o que vai prevalecer.

A conexão com música e a nova mídia

Toninho Horta: Há muita gente boa aparecendo, mas assim como a música mudou, a mídia também mudou. O marketing musical mudou e as condições também mudaram. Não há mais rádio e TV de forma fácil, ficou mais difícil, então os músicos passaram a procurar festivais e programas alternativos. Há as rádios educativas e também a busca por um público de forma mais assertiva.

Eu nasci com a facilidade grande de ter uma família musical, que tinha música no sangue e que me passou esse presente divino de Deus, de me dar esse talento. Eu naturalmente sentia, desde cedo, que minha música tinha algo sofisticado, as harmonias do jazz estavam muito fáceis de serem executadas, não era difícil para mim. E isso é um projeto de continuidade que acabei realizando nessas décadas, mas na faixa de 18, 20 anos eu sabia que tinha em mãos algo refinado e que também não deixava de ser atrativo.

Tudo hoje depende do volume e condições que você tem de fazer algo aparecer. Não gosto de citar nomes, mas temos muitos artistas e todos precisam trabalhar seu caminho musical. Só com perseverança e resistência se pode chegar em algum lugar. Sem isso não adianta tanto talento. Além dele, eu tenho certeza que só com muita vontade eu consegui fazer com que minha música chegasse no mundo de uma forma tão respeitosa.

Clube da Esquina

Toninho Horta: Como eu falei anteriormente, foi um movimento que abriu muitas portas, novidades harmônicas e melódicas. As letras também eram lindas e com muita gente bacana. Foi muito importante para todos nós, cada um já tinha sua vertente, seu background, mas depois do Clube da Esquina cada um seguiu naturalmente para sua área, seu caminho de forma tranquila. Somos ainda amigos e só agradecemos por tudo isso.

Ano que vem o álbum Clube da Esquina, de 72, completará 50 anos e estou fazendo um seminário que será lançado agora no fim do ano, chamado “Um movimento musical além das montanhas”. É de uma semana, virtual, show de abertura e encerramento, cursos que vão do comunitário, para jovens carentes, até uma situação de upgrade para um músico profissional.

Nossa ideia é mostrar todo valor da música mineira, especialmente do Clube da Esquina. Todo repertório foi feito em cima disso, mas não deixaremos de falar do Barroco, do lado da música tradicional, das cantigas, modinhas e das vertentes alternativas. O rock, pop rock, rock com rap, são muitas variáveis da música mineira.

A música pós-pandemia

Toninho Horta: Não acredito que a música tenha causado nenhum dano à música. Acho que ela interferiu mais no pensamento, mas não atrapalhou a capacidade criativa do músico, que está numa outra esfera de criação. Tenho muito claro que muita gente conseguiu superar isso criando muitos arranjos, harmonias… só não podia viajar, mas estava ali sentado criando o tempo todo. Por isso não acredito em danos para a música.

Uma oportunidade que aconteceu para todos foi para que o homem pudesse refletir sobre sua existência, a força da presença da natureza para todos Foi a chance de todos se conscientizarem. Claro, sofremos, e quando sofremos fazemos música, mas que bom que agora os caminhos estão abertos e que a gente possa transitar mais facilmente. Terei uma viagem para Israel por 10 dias em meados de novembro, fazer dois shows e um workshop e fiquei muito feliz de ser o headliner do festival. Estamos aí e vamos seguir com novos trabalhos. Ainda esse ano finalizo um novo trabalho em Nova York, cantado todo em inglês e com orquestra,  que já estava pronto há um ano e meio. Vamos aproveitar o caminho da produção e voltar à vida. Só tenho a agradecer.

Revolucionário e a todo vapor

Toninho Horta: Nunca imaginamos que o que fazíamos poderia dar tão certo e revolucionar a música brasileira. Nos anos 70, apesar de outros movimentos importantes como a Tropicália, o pessoal do Ceará, a Vanguarda Paulista…. o Clube da Esquina musicalmente superou todos e deixou uma abertura, um campo aberto para muita gente estar em outra linha de trabalho musical. Por exemplo, as melodias dos mineiros seguem os formatos das montanhas, tem altos e baixos, longos e distantes, dependendo da altura das montanhas. E as harmonias são muito criativas, todos ficavam em casa pesquisando os ritmos e eles vinham da nossa realidade, das cachoeiras, das pedras preciosas, isso é uma coisa muito rica.

Nós falaremos muito disso em nosso seminário com debates, entrevistas e workshops com alguns desses músicos, caso com Beto Guedes, Wagner Tiso etc. É um evento que queremos fazer dele social e cultural em nível nacional, começando em Minas e indo para o mundo inteiro. Todo mundo vai ter a chance de participar.

Também estou com meu book, chamado Jeito de Tocar. Fico muito feliz de ser respeitado em todo mundo pela forma como toco ate hoje pelas premiações que ocorreram nos anos 70 pela Melody Maker. Estar lá junto com gente como Jeff Beck, Hendrix, John McLaughlin é algo muito bacana.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.