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Gaby Amarantos e o fim das cenas locais

Marco na história do Technobrega, Treme, disco de estreia de Gaby Amarantos, completa duas décadas como uma das primeiras “vítimas” do poder de globalização da internet, ignorando uma cena local que se fortalecia há décadas.

Para quem ultrapassou os 30 anos de idade, era comum reconhecer um grupo de bandas através de sua região de origem.  Expressões como “as bandas de Recife” ou “o rock gaúcho” eram populares nos anos 90. Se mergulharmos mais fundo, não faltam exemplos. A “Turma do Ceará”, a “Psicodelia Nordestina”, “os Punks do ABC” e até “a Vanguarda Paulista”. Fato é que colocar em destaque um grupo de bandas de um único lugar para o restante do país sempre foi algo normal. Ao menos até a virada do século.

Esse contexto dito acima é essencial para entender a importância que o álbum Treme, lançado por Gaby Amarantos em 2012, teve na música brasileira e que, com tamanha rapidez, fez com que um movimento de décadas do Pará acabasse perdendo força no resto do país, tamanha a velocidade da internet.

Mas por que Treme é tão especial? O que é o technobrega?

Assim como praticamente tudo o que torna a música brasileira especial, o technobrega nasce de uma amálgama de influências que passam pelas raízes locais e a tecnologia. É onde elementos díspares como Carimbó e Calypso se cruzam com sintetizadores e as famosas “caixas de ritmo”, as drum machines tão comuns na cena de música eletrônica.

Produzido por Luiz Félix Robatto e dirigido por Carlos Eduardo Miranda, Midas da música brasileira, o projeto solo de Gaby Amarantos nasceu uma década depois de suas primeiras incursões no technobrega, quando ainda fazia parte do Tecno Show. A partir dali, em 2003, essa fusão de ritmos passou a dominar o Pará e toda região Norte, fazendo surgir novos nomes e garantindo um universo paralelo em relação ao pop nacional durante anos.

Shows lotados, rádios locais promovendo, o que aconteceu com o technobrega só levou tanto tempo para furar a bolha porque, até então, gravadoras pareciam fechar os olhos para esse fenômeno. É quando surgem dois nomes fundamentais nesse processo, a banda baiana Djavú e a Banda Uó, de Brasília.

Reconhecida como a “Beyoncé do Pará”, a fama de Gaby Amarantos ganhou o país muito antes de Treme ser lançado. Imperatriz do gênero, a artista paraense ganhou fama e despertou a curiosidade do restante do país (especiamente da Globo), abrindo as cortinas de tudo o que acontecia no Pará. Era uma verdadeira aula. Na mesma época, duas pontas já estavam amarradas com o sucesso da banda Djavú no Sul do país e da Banda Uó na cena alternativa. O caldeirão estava pronto para Treme ser lançado… ou vazado.

Vivíamos uma rotina onde vazamentos tornavam um lançamento ainda mais aguardado. A  popularização dos torrents e sites de download ilegal eram verdadeiras minas de ouro, então até mesmo a capa do disco acabaria se tornando um ato muito simbólico na carreira de Gaby Amarantos, que definiu a estética do gênero e preparou a estrada para Treme ser lançado. Dali em diante todos sabem a história.

Trilha de novela, queridinho da MTV, Grammy Latino, faixas como Ex Mai Love, Chuva e Beba Doida puxaram Treme para o primeiro pelotão da música pop. E é quando um fenômeno interessante acontece.

Diferente do interesse pela cena local, que fez com que nomes como Chico Science e Replicantes jogassem luz sob diversos nomes regionais diferentes entre si, mas fruto dessa mesma raiz, a internet fez com que o ritmo e visual de Gaby Amarantos se dissipassem pelo país, gerando uma avalanche de artistas inspirados em sua obra. E é nesse ponto em que provavelmente passamos a perceber como as redes sociais acabaram descentralizando as cenas locais. Bom para quem furou a bolha, mas um obstáculo ainda maior para quem se acostumou a torcer para que um nome daquele universo particular abrisse a porta para novos artistas locais.

Dez anos depois, fica difícil pensar em como as conhecidas “cenas” podem florescer em tempos atuais. Conectado de um extremo a outro do país (e do mundo), movimentos seguem surgindo, mas a cauda desse cometa já não puxa somente quem está próximo a ele. Gaby Amarantos, com Treme, colocou um holofote gigantesco sobre a música paraense, mas quantos nomes próximos a seu círculo furaram a bolha tão rápido quanto ela? Certamente deixamos muita gente para trás.

Segue sendo fascinante acompanhar como algo tão fora da curva como o technobrega ganhou o mainstream e se mantém relevante até hoje, assim como Gaby Amarantos.

Por outro lado, qual o tamanho do legado que deixamos ser esquecido em meio a grandes artistas por simplesmente ignorarmos a cena que os orbitavam? Será que movimentos como o Clube da Esquina ou a Tropicália trariam hoje tantos artistas revolucionários ao país em tão pouco tempo diante dessa velocidade?

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.