Artigo

Madonna e Erotica: sexo e AIDS chegam ao mainstream

Lançado há três décadas, Erotica, quinto álbum de Madonna escandalizou toda uma sociedade e levou para o mainstream o sexo, a AIDS e tabus que até aquele momento se recusavam a ser debatidos em larga escala, além de elevar a Rainha do Pop ao status de artista multimídia.

Lançado em 1992, Erotica é o álbum menos bem-sucedido da carreira de Madonna na geração pré-mp3. Disco que abre uma nova fase em sua carreira, após o lançamento da The Immaculate Collection, primeira coletânea de sua carreira, o disco marca não só uma mudança em sua imagem, mas na forma de produzir conteúdo. Foi para esse lançamento que Madonna fundou a Maverick, sua empresa voltada para a produção de conteúdo multimídia. E logo de cara trabalhou para disponibilizar o polêmico livro Sex, com fotografias explícitas da cantora americana.

Erotica não é revolucionário musicalmente, mas ainda assim é possível medir a música pop antes e depois de seu lançamento. Produzido por Shep Pettibone, Dj e produtor responsável pela ebulição da noite nova-iorquina nos anos 80, o disco consolida Madonna como fonte inesgotável de hits para as pistas, um trabalho que desde Like a Prayer abraçava a comunidade LGBT. Com a trilha sonora I’m Breathles – trilha de Dick Tracy – e a explosão de Vogue, não deu outra. As coisas não seriam mais como antes.

Erotica é um disco que lida com dor, no seu mais amplo significado. Marcado principalmente por letras confessionais que tiveram como referência a perda de dois amigos próximos de Madonna para a AIDS, doença que naquele momento impressionava pelos números e era jogada para debaixo do tapete pela grande mídia, o disco também é pautado por uma estética cheia de referências pela prática de sadomasoquismo, que ficaria ainda mais clara através de seu livro, Sex. Com Erotica, o sexo e a AIDS seriam discutidos em um âmbito até antes inimaginável.

Essa fusão entre o amor e sexo apresentada por Madonna em seu álbum mais “escatológico” não foi à toa. A figura dominadora, representada em seu alter-ego, Mistress Dita, foi inspirada na atriz alemã Dita Parlo. Uma estratégia que, somada à sexualização em seu livro de fotos, estabeleceu um novo parâmetro para a música pop. Se a ideia era chocar, o ato estava completo.

Os tabus apresentados em Erotica, além do lado emotivo que acompanhava letras confessionais e o debate em torno da expansão da AIDS, deram origem a uma de suas mais polêmicas turnês, a The Girlie Show World Tour, que atingiu números estratosféricos e rendeu um documentário que lhe rendeu uma edição ao Grammy. Mas nem de longe isso foi relevante para quem jogou luz no debate sobre uma doença que naquele momento alcançava mais de 3,7 milhões de novas infecções no mundo, sendo mais de 10 mil por dia. Durante 1993, mais de 350 mil crianças nasceram infectadas. E a letra de In This Life falava sobre cada uma delas.

O sexo sempre esteve presente no mundo da música, mas não em um nível tão explícito no mainstream quanto no combo Erotica – Sex. Não é todo dia que o desejo pela capa de um disco do Chic ou do Roxy Music se transforma na imagem de Madonna nua pedindo uma carona. Vivíamos um período onde o acesso à pornografia, mesmo no seu nível mais soft, não era fácil quando comparado com a geração internet/celular. E essa quebra acabou mudando de vez praticamente tudo o que consumimos. Ser EXTREMAMENTE sexy passou a fazer parte do universo pop.

Erotica teve seis singles que a maioria dos fãs saberia reconhecer já nos primeiros segundos, como Fever ou Rain, mas foi nas pistas, com Deeper and Deeper e seu videoclipe baseado na obra de Andy Warhol, que Madonna trouxe de volta o glamour da disco music dos anos 70 para a house music. Com uma letra que falava sobre desejo e aceitação, a música estreitaria ainda mais os laços da artista com o seu público.

É impossível imaginar Britney Spears e Christina Aguilera sem Erotica. Da estética extremamente provocativa ao pop dançante, o legado estabelecido por Madonna naquele momento ainda impressiona. Depois de dois discos onde praticamente tudo estava na boca do público, faltava algo, chocar. E então a música pop alcançou sua maioridade, no mais picante sentido.

About the author

Avatar

Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.