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Moody Blues e os dias de um futuro esquecido

Famosos na década de 70, álbuns conceituais se tornaram mote de grande parte das bandas de rock que se consagraram ao longo da história. Hoje cada vez mais raros, o mundo da música relembra meio século do primeiro disco construído em torno de um único tema, Days of Future Passed, dos ingleses Moody Blues.

Muitos dirão que Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, foi o primeiro. Outros que Smile, obra abandonada por Brian Wilson e lançada décadas depois teria sido… talvez até mesmo Little Deuce Coupe, dos Beach Boys, que mostrava faixas dedicadas à cultura automobilística americana… há quem diga até que Freak Out!, trabalho de estreia de Frank Zappa, seja o primeiro disco conceitual da história. Tudo isso não é uma mentira, porém poucos discos podem ser considerados uma obra conceitual tão emblemática quanto Days of Future Passed, o segundo disco dos britânicos do Moody Blues.

Mas o que é um álbum conceitual? Embora álbuns definitivos como Dark Side of the Moon e The Wall, ambos do Pink Floyd, deem a ideia de que sejam discos onde faixas parecem se integrar como uma única obra, o que define um disco conceitual é a forma como as faixas do disco se integram em torno de um único tema. No caso do citado Freak Out!, de Frank Zappa, as faixas contam uma farsa sobre “rock”. O que faz Days of Future Passed especial é justamente o fato disso ter ficado nítido como o dia e a noite de um homem comum, exatamente o tema que permeia as sete faixas do disco.

Gravado ao lado da The London Festival Orchestra, o segundo registro do Moody Blues marca no Reino Unido a transição do chamado Sunshine Pop, de bandas como The Lovin’ Spoonful e The Turtles, para uma música mais experimental e profunda, que absorveu da cultura americana ecos do movimento Flower Power da virada da década e deu forma a toda uma geração de bandas que ascenderiam nos anos posteriores.

Inicialmente, o projeto idealizado pela Decca Records não era nem um pouco modesto. Muito mais do que criar um disco conceitual, algo que não era feito de forma tão clara na época, o objetivo era apresentar ao mundo um novo conceito de gravação, que ficaria conhecido como Deram Sound System (DSS), o som stereo. Para tal façanha colocariam uma banda de rock apresentando uma versão da Sinfonia nº 9 de Antonin Dvorak tocada por instrumentos elétricos junto a uma orquestra sinfônica. E o grupo escolhido para isso era o Moody Blues.

Ainda colhendo os frutos do ótimo Go Now!, trabalho de estreia lançado em 1965, o Moody Blues só topou embarcar no projeto quando a gravadora lhe deu condições de pilotar todo o projeto, o que incluía de cara não fazer a releitura da peça de Dvorak. Depois de vencer o receio da gravadora, o Moody Blues tinha ao seu lado Peter Knight, que foi fundamental na junção de tantos elementos encontrados no disco, especialmente o mellotron, instrumento que o vocalista Mike Pinder havia conseguido na época e que ficaria notório exatamente no mesmo ano, quando Sgt Peppers foi lançado.

A outra batalha da banda para que Days of Future Passed saísse do papel consistia em convencer a gravadora a aprovar um disco onde as faixas não se separavam como simples singles. Isso dificultaria o trabalho nas rádios, mas convencidos da ousadia da banda, a Decca autorizou o projeto, que foi dividido em 7 suítes, totalizando pouco mais de 40 minutos.

O que faz do segundo disco do Moody Blues alto tão revolucionário é justamente a sua facilidade em associar os títulos das músicas com a sonoridade adequada a cada momento do dia. Explorando cada período, a intensidade da banda se adequa em paralelo à condução da orquestra, dando a real ideia de um disco com uma história, ou um disco conceitual, como seria comum definir nos anos seguintes.

Para se ter a clara noção do trabalho do Moody Blues, o tracklist do disco já deixava claro os objetivos da banda:

  1. The Day Begins: The Day Begins/Morning Glory (O dia se inicia/Glória matutina)
  2. Dawn: Dawn is a Feeling (Amanhecer: O amanhecer é um sentimento)
  3. The Morning: Another Morning (A manhã: Outra manhã)
  4. “Lunch Break: Lunch Break/Peak Hour (Parada para a refeição/Hora de pico)
  5. The Afternoon: Forever Afternoon (Tuesday?)/(Evening) – Time To Get Away” (A tarde: Tarde Eterna (Terça?)/(Anoitecer) Hora de fugir)
  6. Evening: The Sunset/Twilight Time” (Anoitecer: O Pôr-do-sol/Hora do crepúsculo)
  7. The Night: Nights in White Satin/Late Lament (A noite: Noites em cetim branco/Lamento tardio)

O lançamento de Days of Future Passed trouxe alcançou números expressivos na época. Mesmo ofuscado por uma avalanche de discos que praticamente redefiniram o status quo do rock nos anos seguinte, chegou a figurar entre os 30 discos mais vendidos do Reino Unido durante o ano em que foi lançado. O reconhecimento – tardio – aconteceria praticamente cinco anos depois, quando chegou a alcançar a terceira posição da Billboard. Nessa época a ideia de um disco conceitual e ascensão do rock progressivo já se mostravam muito mais bem definidos, daí o legado do Moody Blues, um grupo que sempre experimentou o conceito de art rock desde sua fundação, no início dos anos 60.

Falar de discos conceituais no século XXI pode até soar retrógrado pela história do rock dos anos 70 e a força da indústria pop nas décadas seguintes, mas não faltam exemplos de obras conceituais que requerem um processo de imersão para compreensão. Até mesmo o DJ e produtor holandês Junkie XL produziu um álbum, Radio JXL: A Broadcast from the Computer Hell Cabin (2003), baseado na linha de pensamento do Moody Blues, com suas faixas baseadas nas horas do dia. Não era revolucionário com o original, mas reforça a ideia de que álbuns conceituais são algo que vão muito além do rock progressivo.

Ofuscado e até certo ponto esquecido, Days of Future Passed nasceu da forma certa e no momento errado. Trabalho que levou a forma como se produz música a um novo patamar, o disco clássico do Moody Blues mostrou que a música pode ser complexa o suficiente para se tratar de algo tão simples como o dia.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.