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O legado de Woody Guthrie

Seu nome sempre viverá à sombra de gênios como Bob Dylan, Billy Bragg, Pete Seeger e outros gênios que praticamente definiram o folk ao longo do século XX, mas é impossível pensar na música americana sem lembrar de Woody Guthrie, um dos mais influentes nomes da história da música e que, além de ser referência para os nomes citados acima, teve seu centenário comemorado em 2012 pelo Rock and Roll Hall of Fame.

A história de Guthrie não difere da realidade de boa parte dos americanos do início do século e poderia muito bem se transformar em um capítulo especial de qualquer enciclopédia para as gerações seguintes. De família pobre e com uma infância complicada e cheia de traumas, muita água passou embaixo da ponte até que o futuro bardo viesse a ter contato com a música. Essa relação ocorreu já no fim da adolescência, durante algumas viagens que fazia ao lado de seu pai ao Texas, quando teve contato com seu primo Jeff Guthrie e apaixonou-se tanto pela música como pela literatura. Ao casar-se aos 19 anos com Mary Jennings, Woody Guthrie viu sua vida dar um giro de 180º ao ter que se afastar da família devido ao Dust Bowl, um fenômeno natural similar a uma tempestade de areia que assolou os Estados Unidos na década de 30 e deu uma nova cara a diversas regiões do país.

A partir disso, tudo o que se segue na vida de Woody Guthrie serviria de pano de fundo para suas músicas, grande parte delas compostas durante viagens e relacionadas ao sofrimento do trabalhador americano, tanto quanto às injustiças com os quais precisava lidar. E foi desse engajamento que a fama chegou até Guthrie, quando foi descoberto por um radialista em Los Angeles.

A ligação com a política – embora nunca tenha se associado com algum partido oficialmente – e as composições cada vez mais elogiadas começaram a fazer com que seu legado começasse a se enraizar cada vez mais na vida do cidadão americano. Foi durante sua passagem por Nova York que nasceu aquela que se tornaria uma das mais famosas músicas da história dos Estados Unidos. Nessa época Guthrie escreveu This Land Is Your Land, um protesto contra as diferenças de classes sociais que se tornou um hino tão importante a ponto de ter sua letra ensinada nas escolas de todo país nas décadas seguintes e regravada por artistas dos mais variados gêneros musicais.

Com programas de rádio e publicações semanais em jornais de Nova York, a vida de Guthrie tinha a música em segundo plano, o que passou a incomodá-lo e fez com que saísse da cidade e voltasse a se dedicar a sua maior paixão. E foi nessa época, já na década de 40, que nasceu o épico Columbia River Collection, um dos discos mais importantes de sua carreira, engatando a partir disso uma sequência de trabalhos que o tornariam o mito que é hoje.

A parceria com Pete Seeger e outros nomes expressivos faziam de Guthrie um dos mais representativos nomes da música americana no período pré-guerra. Durante sua fase mais conturbada, enquanto esteve servindo a Marinha americana e revelou sua associação com o comunismo, viu seu filho Arlo começar a seguir seus passos na música. A admiração por seu trabalho aumentava cada vez mais e nomes importantes do folk extraíam de seu trabalho a aura necessária para manter seu legado, seja na música ou literatura. Foi quando o folk viveu seu período de maior ebulição, revelando nomes por todo país.

Já era década de 50 quando Woody Guthrie foi diagnosticado com o distúrbio de Huntington, uma doença degenerativa que havia levado a vida de seu avô e sua mãe no início do século. E foi nessa fase que algumas das últimas páginas de sua vida seriam escritas.

O encontro com Dylan, do qual ouviu ser seu maior ídolo… o primeiro American Folk Festival… o restante da história todos já sabem. A idolatria em torno de sua imagem se reflete até hoje no trabalho de grandes artistas e em uma geração que só teve a oportunidade de acompanhá-lo através de histórias impressas em livros ou álbuns, ainda assim, esse processo mantém a chama do folk em evidência na música contemporânea. O legado de Guthrie deixou de ser somente um presente ao povo americano e se tornou universal, deixando claro que suas palavras não foram feitas somente para uma região dos Estados Unidos, mas para qualquer um que saiba que a razão da própria existência é transmitir uma mensagem positiva.

A morte de Guthrie em 1967 abriu as portas da música como um meio de protesto e a homenagem realizada dentro do Rock and Roll Hall of Fame em 2012 para a comemoração de seu centenário corrige um erro histórico em seu passado – praticamente obscuro ao grande público – apresentando a obra de um artista que praticamente mudou o conceito sobre música no século XX.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.