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O pretérito imperfeito do Arcade Fire

Everything Now, novo álbum do Arcade Fire, leva os canadenses a um patamar poucas vezes visto em uma banda dita “alternativa”. Cantando o futuro como se estivesse no passado, Win Butler e Régine Chassagne alcançaram o topo sem a obrigação de andar para a frente, transitando agora pela linha tênue que separa aqueles que se esforçam para permanecer no topo daqueles dispostos a deixar um legado.

Escrever sobre o Arcade Fire não é fácil. Da banda que construiu clássicos da cena altternativa no passado como Neighborhood #2 (Laïka), do álbum Funeral (2004), e No Cars Go, de Neon Bible (2007), muita coisa aconteceu. E tudo o que aconteceu transformou o grupo canadense em algo gigante, talvez até um fenômeno similar ao Radiohead, excetuando aí apenas a sua devoção pela música pop, algo que fica bem claro em Everything Now, seu quinto trabalho de estúdio.

Produzido por nomes como Markus Dravs, responsável pelo seminal Homogenic, da cantora islandesa Bjork, e Thomas Bangalter, uma das metades do Daft Punk, o som do Arcade Fire em Everything Now conseguiu finalmente soar tão imediato como sua geração pede, sendo composto por uma sequência de potenciais singles tão impressionante que ignora uma sociedade efêmera. Por outro lado pouco acrescenta musicalmente fazendo uso de uma miscelânea de clichês que, mesmo funcionando, tem tudo para desaparecer antes do próximo passo de uma bandas mais elogiadas dos últimos anos.

Entenda-se, desde o início de Everything Now tudo parece caber dentro de um setlist sem dificuldade. São melodias fáceis que exploram o tão eficiente jogo de vozes formado por Win Butler e Régine Chassagne em um trabalho primoroso. Nele o Arcade Fire é rock, pop e esboça um trabalho mezzo reggae mezzo Daft Punk em Chemistry, mas não é autêntico. E autenticidade é algo que sempre definiu a carreira da banda.

Não é culpa do Arcade Fire e muito menos de seus produtores, mas fazer uma engrenagem como a do grupo canadense funcionar por tanto tempo também não é uma tarefa fácil. O elo com o rock e a experiência com tudo o que o cerca parece ter criado uma gama tão grande de elementos que força cada vez mais os canadenses a repetir fórmulas que consolidaram suas principais influências. Isso transformou sua música em uma amálgama complexa, daquelas que assustam pela variedade, mesmo que nada seja tão autêntico quando se propõe.

Mesmo sendo concebido como um disco pop ao melhor estilo Roxy Music e Human League, Everything Now não é exatamente fácil. Na tentativa de buscar o futuro, o Arcade Fire emula o passado, como em Electric Blue, provavelmente a grande falha do disco, mas acerta de forma tão impressionante em faixas como Put Your Money on Me que fica impossível ignorar o poderio melódico que o cerca.

Composto por 13 faixas, Everything Now está fadado a ser comparado com tantas bandas da década de 80 e da virada do século que nenhum texto será capaz de enumerar. Ou então salte alguns anos para a frente e ouça Love 2, dos franceses do Air, e tudo vira uma única coisa. E isso não é exatamente bom. Ambos os grupos citados acima deram esse passo e nunca mais foram os mesmos.

Com uma rara felicidade em produzir boas faixas, o Arcade Fire certamente se garantirá no panteão da cena alternativa/pop, mas também parece abandonar de vez a ideia de que seja uma banda tão a frente do tempo como parece pensar. É exatamente o que não acontece em Everything Flows dada a sua enorme capacidade em absorver clichês capazes de confundir sobre onde começa e termina a criatividade da banda.

A turnê do Arcade Fire no fim do ano pela América do Sul tem tudo para ser a maior da banda em toda a sua história pelo continente, que já coleciona o mérito de ter sido um dos headliners do Lollapalooza, consolidado no país. Já o futuro do Arcade Fire a Deus pertence. Ou talvez pertença justamente ao próximo produtor que o grupo escolher.

Se na língua portuguesa o “pretérito imperfeito” indica a ação do personagem em continuação ao tempo previsto do passado futuro, provavelmente o próximo disco dos canadenses tem tudo para ser o ponto de ruptura de uma história tão gigante até hoje.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.