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Os 30 longos anos do Green Day

Responsável por levar o punk rock a um novo patamar após a virada do século, os californianos do Green Day comemoram três décadas de carreira entre conquistas e decepções, mostrando que nem sempre é bom ser maior que a própria natureza.

Eles são grandes. Talvez até mais do que deviam, o que acabou sendo responsável por alguns percalços no caminho, mas é impossível pensar em um nome mais enfático para a cena punk rock como o Green Day, que completa suas três décadas de história como uma das maiores potências do rock atual.

Sem um disco de inéditas há quatro anos, a banda liderada pelo excêntrico vocalista Billie Joe Armstrong se prepara para sacudir o mundo do rock com um novo álbum. O primeiro após a megalomaníaca trilogia ¡Uno!, ¡Dos! E ¡Tré!, uma perigosa cartada lançada em 2012.

Formado na California em 1986, o Green Day fez parte da prolífica cena punk da 924 Gilman Street, berço do movimento straight edge e de bandas como o cultuado Rancid, influência direta do Green Day. Responsável por apresentações significativas da história do gênero, abrigou bandas como Sick Of It All, Fugazi, At The Drive In, Sleater-Kinney e Bikini Kill, entre muitas outras.

Hoje fortemente marcado pela presente de Billie Joe, Armstrong Mike Dirnt e Tré Cool, o Green Day ralou até encontrar seu baterista definitivo, que não chegou a gravar o homônimo disco de estreia da banda, em 1990. Dois anos depois, lançado pela gravadora Lookout, o álbum Kerplunk ainda buscava definir a sonoridade da banda, que já lidava com a ascensão de nomes como Offspring e o auge do grunge, apresentando faixas da época em que Billie Joe e Mikr Dirnt ainda tocavam com o Sweet Children, banda de adolescência.

Destaque na cena alternativa, Kerplunk abriu as portas para o Green Day, que assinou posteriormente com a Reprise Records, gravadora fundada por Frank Sinatra na década de 60. Trabalhando com o renomado produtor Rob Cavallo (de Eric Clapton, Meat Loaf, Alanis Morissette e Black Sabbath), deu o salto que precisava para redefinir o punk rock na década de 90, Dookie, lançado em 1994.

Disco que praticamente coincide com a tunrê derradeira dos Ramones, dois anos depois, Dookie foi a dose certa de energia que o gênero pedia em meio ao caos provocado pelo lançamento de alguns dos maiores discos da história do grunge. O colapso da house music e da cena de Manchester, conhecida como Madchester, também fizeram com que todos os olhos se voltassem para a California, onde o festival Lollapalooza ganhava força ano após ano.

Emplacando single atrás de single nas rádios do planeta como She, Basket Case e When I Come Around, o Green Day se mostrava precursor de uma cena que logo ganharia o reforço do The Offspring – que lançaria o clássico Smash em 1996. No centro do furacão após a natural queda de rendimento de bandas que moldaram o grunge anos antes, o Green Day divulgava o álbum Insomniac, de 1996, e abraçava a MTV após o sucesso alcançado em Basket Case, lançando o divertido clipe de Walking Contradition, aclamado pelo canal por muito tempo.

Com vendas que superavam mais de 20 milhões de discos, o Green Day só não foi maior durante a reta final da década porque o mundo ainda engatinhava com a internet. Para se ter ideia, ainda na década de 90 a banda americana chegou a se apresentar em São Paulo, no “minúsculo” Credicard Hall, para pouco mais de 6 mil pessoas, algo impensável nos dias de hoje.

Com lançamentos abaixo da média, caso de Nimrod (1997) e Warning (2000), o Green Day ainda conseguia emplacar vendas expressivas e singles nas rádios, mas carecia de mais energia em uma pilha que fez a banda redefinir a década de 90 musicalmente.

O impacto cataclismo na indústria fonográfica afetou o Green Day. Depois de ver bandas como os Strokes se tornarem a bola da vez enquanto lançava sucessivas coletâneas e fazia aparições pontuais, a banda só voltaria de vez ao mercado em 2004, quando anunciou o lançamento de um álbum conceitual de punk rock, American Idiot.

As pretensões não eram baixas. Disposta a recuperar o fôlego no mercado, a Reprise deu carta branca à banda, que novamente trabalhou com Rob Cavallo, e viu em suas mãos um trabalho que novamente revolucionaria o gênero, apresentando suítes de praticamente dez minutos em videoclipes extremamente bem produzidos. O conceito de um anti-herói contra a guerra do Iraque protocolado em um adolescente dos subúrbios americanos foi certeiro.

Para se ter ideia do sucesso de American Idiot, o disco vendeu 15 milhões de cópias, muito mais que os dois últimos registros de estúdio da banda, e lutando contra aplicativos como o Napster e a revolução digital. Com longos solos e uma sonoridade inspirada – de acordo com Billie Joe – nos ingleses do The Who, o Green Day deu o passo definitivo para ser grande, muito grande.

Esbanjando um engajamento que já havia florescido anos antes, quando se apresentou no Super Bowl ao lado do U2, o grupo americano alcançou novamente status global e viu seu disco se tornar um dos maiores lançamentos desse século, ultrapassando a barreira do formato físico. O anúncio de um documentário e um musical foram os próximos passos da gravadora, que fez de American Idiot seu maior trunfo até o fim da década, qdo 21st Century Breakdown foi lançado.

Ainda na esteira de American Idiot, o novo álbum do Green Day trazia uma banda que em pouco lembrava o trio nascido décadas antes. Com uma sonoridade mais polida, o disco trazia a produção de Butch Vig, do Garbage, e chegou a emplacar faixas como Know Your Enemy à medida em que realizava turnês por estádios amparado de uma produção digna de lendas do rock. O auge dessa megalomania se deu em 2012, quando no auge da crise da indústria fonográfica a banda anunciou o lançamento de uma trilogia em formato físico.

¡Uno!, ¡Dos! e ¡Tré! era a cartada definitiva do Green Day na hora errada. Programado para ser lançado durante o ano de 2012, a sequência de discos trazia o Green Day trabalhando novamente com Rob Cavallo e flertava perigosamente com o pop punk nunca busca de renovação do público. E ¡Uno!, conseguiu essa façanha. O Green Day era maior do que nunca, mas o vento sempre bate mais forte nas árvores mais altas e a banda não aguentou.

No auge de uma turnê que arrastava multidões, Billie Joe Armstrong surtou durante uma apresentação no iHeartRadio Festival e depois de um discurso enfurecido abandonou o palco.

Os comunicados da gravadora indicavam que Billie havia se retirado para um tratamento contra substâncias tóxicas, mas o buraco era muito mais embaixo. Bastião do gravadora no que se refere a uma banda de rock em pleno século XXI, o Green Day nitidamente cansou da fama. Ou ao menos do que ela exige para permanecer no topo.

Frases como “Não sou a p… do Justin Bieber” e “Estou aqui desde 1988 e vocês querem controlar nosso tempo e dar só mais um minuto” foram algumas das pérolas proferidas pelo vocalista antes de quebrar sua guitarra.

Ainda faltava o lançamento de ¡Tré! ser consumado para o fim da trilogia, mas a festa já havia acabado. Em hiato, o Green Day passou os últimos anos na penumbra enquanto parecia se reencontrar com si próprio antes de dar as caras aos fãs. Mesmo com shows esporádicos e ironias do tipo “Quantos fãs antigos do Green Day estão aqui hoje?”, foi só em 2016 que a banda realmente confirmou seu retorno aos estúdios.

No último mês de abril, 30 anos após dar início ao seu legado, o Green Day divulgou um vídeo em estúdio e parece agora caminhar para um retorno sadio e dentro de seus propósitos. Sem data e sem a pressão por um lançamento, a banda vive uma nova realidade enquanto parece ter alcançado a maturidade necessária para decidir seu futuro.

Exemplo claro do como o sucesso pode consumir a vida de um artista, os integrantes do Green Day conseguiram o que poucas bandas foram capazes, sobrevivendo aos acertos e erros de sua carreira.

Dono de um legado que se confunde em personalidade, falta definir qual banda assumirá o papel daqui para frente, aquela que mudou a história do punk rock na década de 90 ou a que deu fôlego à indústria na primeira década do século, mas por tudo o que aconteceu todos já sabemos qual o caminho que deve ser escolhido.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.