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Rob Halford: Macho pra C****!

Há duas décadas Rob Halford, lendário vocalista do Judas Priest, assumiu publicamente sua homossexualidade durante uma entrevista na MTV. Ainda que não tenha sido o primeiro artista a tomar tal atitude, Halford foi capaz de revolucionar o até então mega machista círculo do heavy metal. E passadas duas décadas desse ato fica a pergunta: o que mudou?

Poucos nomes na história do heavy metal merecem tanto serem chamados de Metal God como Rob Halford, vocalista do Judas Priest. Além da referência mais clara, já que essa alcunha nasceu a partir de um clássico presente no álbum British Steel, lançado em 1980, o inglês também foi responsável por uma quebra de paradigma impensável no mundo do heavy metal décadas atrás: o do preconceito.

Foi em 4 de fevereiro, durante uma entrevista para a MTV americana, quando o vocalista anunciou sua homossexualidade causando um misto de choque e comoção entre fãs de heavy metal. Em um ambiente onde poder, virilidade e machismo sempre foram elementos primordiais para a construção da imagem do gênero até então, tomar tal atitude soaria como o sepultamento de um ídolo vivo, mas não foi o que aconteceu.

Na banda desde o início dos anos 70, são poucas as coisas que Rob Halford não acompanhou na história do rock. A ascensão do heavy metal na segunda metade da década, o nascimento de uma geração que definiu a estética da música pesada, assim como o boom da indústria pop nos anos 80. Ainda assim não era fácil assumir sua preferência sexual publicamente, muito em virtude da falta de informação e o tratamento da mídia sobre o assunto.

Mesmo com tantos ideais de pacifismo e tolerância pregados na década de 60 por toda Geração do Amor, a década seguinte reservava um mundo muito mais obscuro quando o assunto era sexualidade. A AIDS daria as caras em 1977 e seria reconhecida mundialmente quatro anos depois. Levariam anos para a mídia fazer mea culpa e deixar claro que a doença não era exclusivamente da comunidade gay, algo que era noticiado com frequência na época. Um bom exemplo do peso dessa geração pode ser visto com a história do eterno vocalista do Queen, Freddie Mercury.

Para se ter ideia, Freddie nunca assumiu-se gay publicamente. Ainda que suas performances chamassem a atenção da mídia inglesa, o vocalista só daria pistas de sua preferência já na segunda metade da década de 70, época em que o disco de maior sucesso do grupo, A Night at the Opera, foi lançado. De acordo com a biógrafa Lesley-Ann Jones, foi nos versos de Bohemian Rhaposody que o vocalista passou a assumir-se gay. Pouco antes disso ele ainda manteria um relacionamento com Mary Austin, a verdadeira inspiração de Love of my Life. Sempre se desviando do assunto, o líder do Queen foi obrigado a passar os anos seguintes sem nenhuma aparição pública ao lado de seus affairs, algo que manteve até próximo de sua morte, no início dos anos 90.

Voltando do caso de Rob Halford, a história com o Judas Priest foi marcada pela saída do vocalista em 1992 (por sinal meses após a morte de Freddie Mercury), quando acabou deixando o grupo sem maiores explicações. Conta-se que um acidente com uma moto ocorrido durante a turnê do álbum Painkiller resultou em uma insatisfação do vocalista, mas negada anos depois. Na época o heavy metal vivia seu auge com bandas pipocando ao redor do globo e com uma estética bem mais agressiva que a atual. Grupos como Manowar, Guns N Roses, Slayer e Iron Maiden reforçavam essa condição em performances e notícias que alimentavam muitos dos mitos criados em torno desse tipo de música.

Fora do Judas Priest, Halford se aventurou com o projeto Fight, com quem lançou dois álbuns entre 1993 e 1995. A mudança de direção na carreira ocorreu dois anos depois quando ao lado de John Lowery e produzido por Trent Reznor (NIN) fundou o 2wo, apostando em uma sonoridade gótico-industrial. E de fora do heavy metal e dentro da MTV, Halford deu no dia 4 de fevereiro a entrevista que mudaria pra sempre o gênero que o consagrou.

Ligando os pontos, fica nítido que Rob Halford só assumiu-se gay quando se viu fora do heavy metal. Anos depois o vocalista confessaria em entrevista ao Team Rock que tinha muito medo de causar qualquer dano ao legado do Judas Priest, na época com Tim “Ripper” Owens no vocal, mas a reação à sua entrevista foi totalmente oposta, recebendo um apoio incondicional de toda cena.

Um dos pontos curiosos de toda essa história é que o vocalista do Judas Priest, mesmo após se assumir, nunca se tornou um ícone de publicações voltadas ao público gay. Tanto que sempre se viu inserido no heavy metal, que ainda o procurava para especular sobre um retorno ao Judas Priest, algo que ocorreu em 2002, após voltar ao metal e iniciar uma bem-sucedida carreira solo.

Sobre como atravessou os anos 80 sem despertar nenhuma suspeita sobre sua opção, Halford sempre disse que a ideia de “sexo, drogas e rock and roll” dos anos 80 nunca foi uma realidade na sua vida, chegando a ironizar esse período como um celibato, ao menos enquanto estava no Judas Priest durante sua primeira fase.

O que se segue a partir disso pode ser medido pela quantidade de artistas que assumiram-se ao longo do novo século, assim como a presença de mulheres em um ambiente que até então se mostrava tipicamente machista. A vocalista Otep Shamaya, da banda Otep, e o vocalista Gaahl, da banda de black metal Gorgoroth, são bons exemplos de como a tolerância no heavy metal parece ter caminhado a frente do gênero muito antes do que se imaginava.

E em 2018, duas décadas após da entrevista de Rob Halford para a MTV, não é difícil concluir que a vertente musical mais vezes condenada publicamente, se tornou uma referência no quesito tolerância. Uma breve pesquisa no Google deixa ainda mais claro como o palco segue sendo o maior termômetro do heavy metal. E lá, Halford e tantos outros seguem sendo os melhores no que fazem.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.