Sala Especial

Sly & Robbie & Bitty McLean & a certeza da boa música

Uma das cozinhas mais impressionantes do mundo da música, a dupla jamaicana Sly & Robbie se junta ao inglês Bitty McLean para as gravações de Love Restart, uma obra que impressiona pela qualidade e reforça a ligação da dupla com o que há de mais belo no mundo da música.

Sly Dunbar e Robert Shakespeare, ou simplesmente Sly & Robbie, possuem uma carreira tão impressionante que fica difícil traçarmos a história completa da dupla. Formado em Kingston, na Jamaica, o duo de baixo e bateria é considerado um dos nomes mais prolíficos e duradouros da história do reggae. Calcula-se que mais de 200.000 gravações foram produzidas ou tocadas por Sly e Robbie na história, o que inclui nomes como Bob Dylan, com quem trabalharam no álbum Infidels (1983), Madonna, Grace Jones, Joe Cocker e Mick Jagger, além de Gilberto Gil e Vanessa da Mata.

Já Bitty McLean não tem tamanho legado, mas sabe muito bem onde pisa, até porque, com imensa justiça, vem sendo aclamado como uma das maiores embaixadores modernos do raggamuffin/dancehall, conseguindo emplacar algumas faixas nos charts ingleses. O que em tempos de euforia com a soul music e o pop não é pouca coisa.

E Bitty McLean já era uma aposta de Sly & Robbie. Em conversa com o Passagem de Som durante a última tour da dupla pelo Brasil, em 2016, Robbie dava ênfase na qualidade do trabalho do vocalista, que alcançava ótimos números no Reino Unido e era sinônimo de qualidade. Por isso, a parceria entre ambos era questão de tempo e resultou nesse 2018 no lançamento do espetacular Love Restart, uma obra feita sob medida para quem quer entender o raggamuffin e o dancehall pelas mãos do passado e o futuro do gênero.

Composto por 11 faixas, o fruto da parceria da dupla com o artista inglês tem os dois pés fincados na Jamaica e bebe de tudo o que compõe a estrutura do raggamuffin e do dancehall, mas distante da nostalgia, o disco prega uma música moderna e extremamente palatável, abrindo espaço para improvisos e longas viagens logo em sua faixa-título, Take My Heart Love Restart e na sequência com I’ve Found Someone, em uma sequência arrebatadora.

Com um vocal adocicado e inspirado em lendas jamaicanas que sempre bebera da soul music como The Congos e Abyssinians, Bitty McLean desempenha um trabalho sólido ao lado das batidas da dupla, mostrando ser realmente um pilar da música que se dedica. Com personalidade, ignora o legado de Bob Marley e soa moderno e autêntico respeitando o passado do gênero.

E assim se desenrola Love Restart. Sem pressa e apostando em um processo de imersão mais fácil do que se imagina. Basta deixar a música levar sem a necessidade de esperar uma embalagem simples ou pré-elaborada. Ouvido na sequência, fica difícil até mesmo dividir as faixas do disco, que se ligam normalmente após longas doses de improviso e melodia. E é assim que nasce outra pérola do disco, formada pela dobradinha Open Eye e Is That Your Reward.

Com pelo menos 70% de seu conteúdo explorando viagens protagonizadas por Sly & Robbie, especialmente na reta final com faixas como War is Over e My Call, o trabalho realizado com o músico inglês é o que marca Love Restart, que em toda a sua extensão se torna um caminho sem volta pelas milhares de estradas que deram forma a vertentes como o dub, o raggamuffin e o dancehall. Tudo isso de forma extremamente orgânica.

Disposto a olhar para o futuro, o trabalho de Sly & Robbie com Bitty McLean reforça que o reggae não se foi com Bob Marley. Muito pelo contrário, se renovou e vive novamente um auge criativo. Seja pelas batidas de quem construiu a história do gênero ou por novos artistas que sacaram que não é necessário usar qualquer clichê para receber a benção do maior de todos os ícones. Muito pelo contrário, para que esse legado prevaleça é necessário construir e louvar novos pilares, exatamente o que acontece em Love Restart.

About the author

Avatar

Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.