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SOS Guitarradas

Perto de completar quatro décadas de história, as Guitarradas ainda seguem obscuras para o público brasileiro mesmo sintetizando toda musicalidade da América do Sul. Por que um dos mais dançantes e ricos ritmos do país se tornou tão regional mesmo em tempos de internet?

Aconteceu no fim da década de 70 no estado do Pará e embora nunca tenha sido uma simples moda ela também nunca se tornou popular o quanto merecia. Quatro décadas depois de seu surgimento, a Guitarrada, gênero que trouxe para as seis cordas elementos de rock com o carimbó, cúmbia e merengue, segue cultivando adeptos, mas esbarra na divulgação e até mesmo no preconceito em virtude de sua associação com a música brega.

E como todo grande ritmo musical, a Guitarrada também teve seu pioneiro. Foi o paraense de Barcarena que nasceu Joaquim de Lima Vieira, mas atende pelo nome artístico Mestre Vieira. Na ativa até os dias atuais, integrou até 2009 o grupo Mestres da Guitarrada ao lado de Curica e Aldo Sena, em um supergrupo que era aclamado como “Reis da Música Amazônica”.

Chamada também de Lambada Instrumental, a Guitarrada ganhou forma ao abraçar os ritmos caribenhos da América Central e se transformar em uma música dançante  da mesma forma que o jazz abraçou o R&B e a polca para criar o swing. Esse caminho, claro, se deu com a experiência de ser precursor com ritmos brasileiríssimos como o choro e o carimbó com toda a cultura do continente.

Virtuose desde a infância em instrumentos como bandolim, banjo e cavaquinho, Mestre Vieira já era considerado um dos pilares da cultura paraense até lançar o o álbum Lambadas das Quebradas, em 1978, o marco zero das Guitarradas. Composto de faixas instrumentais, o álbum não tinha a pretensão de revolucionar a música ou criar um movimento, mas naturalmente inspirou toda uma geração de músicos que viram na forma de se tocar guitarra um novo caminho para a música paraense.

Um desses nomes foi Aldo Sena, que rapidamente abraçou o estilo e passou a conduzir seu trabalho pelo mesmo caminho de Mestre Vieira. Não foi necessário mais que alguns meses para perceber que toda a região norte vivia um período de ebulição em meio a um de seus principais movimentos culturais, porém longe dos grandes centros do país. Somente na década de 90 a Guitarrada chegaria ao eixo Sul-Sudeste e na virada do século os olhos do país se voltariam de vez para toda a cultura paraense.

Na década “perdida” dos anos 80 e início dos 90, a Guitarrada construiu alguns de seus maiores clássicos, caso do primeiro álbum lançado pelo grupo de Aldo Sena com os Populares de Igarapé-Miri, em 1981, e o disco Guitarradas (1985), de Carlos Marajó. O próprio Mestre Vieira produziria um número expressivo de lançamentos na época, normalmente lançados em esquema de compilações, que somente com a popularização do gênero acabou atingindo um público maior.

Esse processo de popularização teve um nome em específico que se tornaria velho conhecido do público brasileiro na última década, Chimbinha, que ficou famoso ao lado de Joelma com a Banda Calypso. Mas muito antes dele Fafá de Belém já vestia a música do Pará de forma tão intensa que acabou se tornando um patrimônio não só da cultura local, mas da música brasileira. Foi assim que os ritmos do Pará viriam a ganhar de vez as rádios do país, assim como sua associação à música brega e ao pop.

Hoje mais acessível ao público jovem, é possível encontrar playlists na internet com clássicos da Guitarrada e de muitos novos artistas que mantém vivo o legado de uma música que aproxima todo eixo central da América do Sul em um único ritmo. Inacessível durante toda a década de 90 em virtude da ausência da internet e até do reflexo na virada do século com a quebra da indústria fonográfica, as Guitarradas parecem caminhar hoje à margem da própria música paraense, que se tornou referência para o Brasil com o próprio Calypso e recentemente com Gaby Amarantos.

Fruto da fusão de ritmos, a Guitarrada ainda inspira. Inspira e mostra que mesmo com tanto acesso o público não tem tido a percepção de tudo que acontece ao seu redor. O marco aproximado de quatro décadas desde seu surgimento merece destaque justamente com a celebração tão evidenciada que o samba vem tendo em seu centenário. É a hora de dar luz às Guitarradas antes que o movimento se transforme somente em uma página nos livros de história.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.