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Uma década sem J Dilla

O ano de 2016 marca a primeira década do hip hop sem a presença do revolucionário produtor americano J Dilla. Considerado um dos mais influentes nomes do gênero, seu legado segue sendo essencial e definitivo em um momento onde o hip hop emergiu e dita tendências no mundo da música.

Eles são muitos. Dr Dre, 2Pac, Notorious BIG, Jay-Z, Kanye West…  nomes que se tornaram fundamentais para a história do hip hop ao longo das últimas décadas e que naturalmente não chegaram a esse patamar sozinhos. Por trás de rimas, polêmicas e engajamento, a ascensão do gênero mais popular da atualidade sempre contou com a presença de produtores que redefiniram a estética do hip hop, muitos deles nitidamente influenciados por J Dilla.

Nascido James Dewitt Yancey, o produtor americano que cresceu em Detroit só se tornou J Dilla na década de 90, período em que o gênero emergiu dos subúrbios de forma definitiva para revolucionar todo conceito de mainstream dos Estados Unidos – e posteriormente do mundo. Filho de um músico de jazz com uma cantora de ópera, o interesse pela música de J Dilla tomou forma em meio a um contexto social onde proporcionaria a quebra de vários paradigmas dentro da estética do hip hop.

Integrante do 1st Down, primeiro grupo de rap Detroit a assinar com uma grande gravadora, J Dilla logo chamou a atenção de nomes como T3 e Baatin, até então amigos de escola que ouviam o mesmo tipo de música, e dali fundaram o lendário Slum Village. Coletivo fundamental para a difusão do hip hop, o Slum Village fez história por diversos motivos. Além da sonoridade que explorava novos elementos, o projeto acabou servindo de referência para que jovens tivessem seu primeiro contato com o hip hop em eventos abertos no início da década de 90. Exemplo mais clássico, um deles acabou se tornando mundialmente famoso posteriormente e atendia pelo pseudônimo de Eminem.

A influência de R&B e a facilidade em transitar por várias vertentes musicais davam ao jovem produtor o status de bola da vez ao mesmo tempo em que praticamente remodelava o gênero no início da década de 90. Normalmente associado a outro grupo da época, a lenda A Tribe Called Quest, J Dilla nunca se viu dentro do coletivo, algo que sempre negou veementemente principalmente pelas questões ideológicas adotadas pelo hip hop na década de 90.

Parceiro de Q-Tip (uma das cabeças por trás do A Trible Called Quest) no início da carreira, J Dilla acabou abrindo seu leque de tal forma que praticamente deu vida a toda uma geração de artistas que hoje são considerados alguns dos mais criativos da atualidade. Em comum a capacidade de levar ao hip hop uma gama de elementos de outras vertentes musicais quando comparado à estética da década de 80 do gênero.

Nesse período J Dilla ainda fazia uso de outro pseudônimo em algumas produções, caso do projeto The Ummah, onde assinava simplesmente como Jay Dee. No projeto, que já carregava uma dose extra de R&B, o jovem colaborador D´Angelo começava a desenhar uma carreira que o levou a se tornar um dos grandes nomes da soul music contemporânea.

Após a virada do século, já consagrado no underground americano e construindo uma discografia particular com remixes e produções autorais que até hoje servem de base para inúmeros artistas, trabalhou com nomes como Erykah Badu, De La Soul e Commom. Esse último seguramente o rapper que mais bebeu da cultura musical apresentada por J Dilla.

Os problemas do produtor americano começaram a ganhar forma só em 2003, quando se afastou da música em virtude de uma abrupta perda de peso. Os boatos sobre sua saúde aumentaram um ano depois, quando voltou aos estúdios e trabalhou em alguns álbuns e projetos pessoais até 2005. Tudo aconteceu na mesma época em que foi diagnosticado com uma púrpura trombocitopênica trombótica, rara doença sanguínea.

Ainda assim o produtor não abandonou sua maior paixão, quando em fevereiro de 2006 – em seu estúdio – sofreu um ataque cardíaco que o vitimou aos 32 anos. Era o fim da carreira de um dos produtores que praticamente moldaram o hip hop moderno.

Pouco tempo depois sua família inaugurou a J DIlla Foundation, instituição de apoio e combate ao Lúpus. Também houveram inúmeros processos judiciais envolvendo lançamentos póstumos com gravações do produtor. Foram necessários vários anos até que esse material chegasse ao público em virtude de questões burocráticas e o posicionamento da família em relação ao compartilhamento de arquivos.

Porém o legado de J Dilla já era notável e reconhecido além do hip hop. O lendário produtor de Techno de Detroit, Carl Craig, é um dos que sempre exaltaram o talento do produtor, inclusive intermediando a construção de um memorial em sua homenagem na cidade. The XX, Golden Shivers e Mystery Jets são bandas inglesas que também nunca esconderam sua devoção pelo produtor.

Dez anos depois de sua morte também é possível encontrar ruas e estabelecimentos na Europa batizados em seu nome, além de equipamentos de produção lançados com inspiração em seu método de trabalho e homenagens que nunca pararam de surgir.

Olhar hoje para o hip hop como influência para inúmeras vertentes musicais torna impossível ignorar o legado de J Dilla. De carreira precoce, o produtor de Detroit não só redefiniu a estética de uma música marginalizada para transformá-la em algo gigante, mas aproximou o underground e o mainstream disposto simplesmente a dar a oportunidade de classes mais baixas terem acesso a uma música de qualidade.

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Anderson Oliveira

Editor da Revista Som (www.revistasom.com.br) e do Passagem de Som, é formado em Publicidade e Propaganda com pós-graduação em Direção de Arte. Atualmente se aventura pela computação gráfica enquanto luta para completar sua coleção de Frank Zappa.